A Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados aprovou, na última sexta-feira (22), o Projeto de Lei nº 492/2020, que visa isentar do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Importação (II) produtos de tecnologia assistiva, destinados a pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. A medida é considerada um avanço para a inclusão social, já que muitos itens essenciais para a autonomia desses indivíduos têm preços elevados devido aos tributos.
O deputado Sargento Portugal (Podemos-RJ), relator do projeto, explicou ao Correio da Manhã a relevância do PL para as pessoas com deficiência no Brasil. “O projeto que aprovamos na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, é um divisor de águas para milhões de brasileiros. Ele busca isentar do IPI e do Imposto de Importação produtos de tecnologia assistiva, essenciais para a autonomia de pessoas com deficiência”, afirmou.
A isenção, segundo o deputado, abrange uma ampla gama de produtos, como cadeiras de rodas motorizadas, aparelhos auditivos, próteses e até softwares de leitura de tela. Estes itens são essenciais para garantir a mobilidade e a inclusão dessas pessoas em diversas áreas da vida social, como educação, mercado de trabalho e lazer. A proposta também estende a isenção a peças e acessórios necessários para adaptar, reparar ou consertar os produtos de tecnologia assistiva, o que será de grande importância para a manutenção da autonomia dos usuários.
Portugal reforçou que o projeto vai além de uma questão fiscal. “Garantir acessibilidade é cumprir o que determina a nossa Constituição e o compromisso firmado pelo Brasil na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. É dar condições para que essas pessoas ocupem espaço na educação, no mercado de trabalho, na cultura e na vida social”, concluiu. Além disso, destacou que a medida facilita o acesso a produtos que muitas vezes são inacessíveis devido à alta carga tributária, contribuindo para a inclusão efetiva das pessoas com deficiência.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2022, divulgada em julho de 2023, aponta que 18,6 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência, representando 8,9% da população. Os dados, coletados no terceiro trimestre de 2022, fazem um comparativo entre as características da vida entre pessoas com e sem deficiência. O estudo é resultado de uma parceria entre a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A opinião de especialistas
Para o advogado Phellip Ponce, especialista nos direitos das pessoas com deficiência e membro do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Distrito Federal (Coddede-DF), o projeto é um passo importante na busca por uma sociedade mais justa e inclusiva. Em sua análise, a aprovação do PL 492/20 tem o potencial de promover maior participação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, além de reduzir os custos com saúde e assistência social, frequentemente elevados devido à falta de acesso a tecnologias assistivas.
“Essa medida contribuirá para criar uma sociedade mais justa e igualitária, uma vez que promoverá a maior participação da pessoa com deficiência no mercado de trabalho e reduzirá gastos com saúde e assistência social”, afirmou o advogado. Ele, que também é PCD, acrescentou ainda que o projeto está alinhado com a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015), que estipula ser dever do Estado promover políticas afirmativas para pessoas com deficiência.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2022 mostrou que 26,6% das pessoas com deficiência estão empregadas, contra 60,7% das pessoas sem deficiência. Além disso, 55% dos trabalhadores com deficiência estão na informalidade, e sua renda média é de R$1.860, 30% menor que a de R$2.690 das pessoas sem deficiência.
Ponce salientou que a aprovação da lei ajudará a combater o ciclo de preconceito e discriminação enfrentado por pessoas com deficiência. “A medida viabilizará a maior integração da pessoa com deficiência à sociedade e contribuirá para combater o ciclo de preconceito e discriminação, além de garantir mais dignidade e oportunidades”, completou. Além disso, o advogado afirmou que a falta de acesso a tecnologias como cadeiras de rodas motorizadas e aparelhos auditivos pode impedir que muitas pessoas com deficiência realizem tarefas simples do dia a dia, dificultando ainda mais sua inclusão.
Diferença
A Dra. Helaine Miranda, defensora da causa das pessoas com deficiência e professora aposentada de Educação Física com baixa visão, compartilhou seu relato sobre como um projeto como o PL 492/20 teria feito a diferença em sua juventude.
“Na universidade, fui tema de reunião de colegiado, onde ouvi coisas do tipo: ‘Como é que vamos dar o diploma para ela?’. Era uma situação complicada, pois as instituições de ensino se recusaram a adaptar os materiais. Mas, com o apoio de alguns colegas e minha persistência, conseguimos avançar”, relatou à reportagem.
Ela contou como, durante sua trajetória acadêmica, enfrentou grandes dificuldades devido à falta de adaptação nos materiais de ensino e na resistência das instituições de ensino em oferecer as condições necessárias para seu aprendizado.
Pessoas com deficiência enfrentam mais dificuldades na educação e no mercado de trabalho, de acordo com dados da PNAD 2022. A taxa de analfabetismo entre elas é de 19,5%, contra 4,1% entre as pessoas sem deficiência. Mais da metade não completou a educação básica, e apenas 25,6% terminaram o Ensino Médio, enquanto 57,3% das pessoas sem deficiência concluíram. No ensino superior, apenas 7% das pessoas com deficiência alcançaram esse nível, em comparação com 20,9% das pessoas sem deficiência.
Helaine, lembrou que, na sua época, era preciso buscar soluções próprias para as dificuldades enfrentadas. “Se eu esperasse pela instituição, seria impossível. Consegui concluir a graduação com a ajuda de colegas, mas a falta de apoio institucional foi um grande obstáculo”, afirmou.
A professora aposentada ressaltou a importância de iniciativas como o PL 492/20 para garantir que jovens com deficiência tenham mais oportunidades desde a infância, evitando obstáculos que ela mesma enfrentou. “Se eu tivesse tido essas facilidades quando era jovem, teria alcançado muito mais. Acredito que o projeto pode fazer uma enorme diferença para os adolescentes e jovens com deficiência, garantindo um futuro mais inclusivo”, concluiu.
Ela mencionou ainda que a adesão de tecnologias assistivas e a criação de ambientes mais acessíveis para pessoas com deficiência são fundamentais para que esses indivíduos possam viver de maneira mais independente. “Hoje, por exemplo, participo de um projeto com bicicletas adaptadas para deficientes visuais. Isso foi transformador para mim, pois já havia desistido de andar de bicicleta”, disse. Helaine destacou que essas iniciativas não apenas favorecem a inclusão, mas também ajudam as pessoas com deficiência a desenvolverem sua autonomia e autoestima.
Além disso, a professora aponta as dificuldades de locomoção e a falta de acessibilidade em diversos serviços, como o transporte público. “Hoje, com aplicativos de rastreamento de ônibus e outros dispositivos, a locomoção é mais fácil. No passado, enfrentávamos dificuldades imensas para sair de casa”, contou. Ela destacou que essas mudanças devem ser divulgadas para que as pessoas com deficiência possam acreditar que é possível ter uma vida plena, sem barreiras.
Expectativa para o futuro
O Projeto de Lei 492/2020, que ainda passará pela análise das comissões de Finanças e Tributação (CFT) e de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), representa um avanço significativo na busca pela igualdade de oportunidades para pessoas com deficiência. Caso aprovado pelo Congresso Nacional, o projeto promete beneficiar milhares de brasileiros, oferecendo isenção de impostos para produtos essenciais à inclusão social e ao bem-estar dessa população. A medida não apenas facilitará o acesso a tecnologias assistivas, mas também contribuirá para a construção de uma sociedade mais inclusiva, onde todos possam participar plenamente da vida social, cultural e profissional.