A dengue no Brasil é uma epidemia cuja cura, até agora, não tem solução. Embora ainda não existam ferramentas que solucionem de maneira absoluta a infestação dos mosquitos Aedes Egypit, que carrega o vírus DEV (dengue), já foram desenvolvidas inúmeras ferramentas de prevenção, inclusive vacina que começa a ser utilizada.
Nesse combate, as ações acontecem desde cuidados simples no dia a dia da população, como evitar o acúmulo de água parada, até o uso de tecnologias avançadas utilizadas pelo governo para parar o transmissor. Desse esforço, passaram a fazer parte também estudantes de ensino médio do Gama, região administrativa do Distrito Federal.
Redução
Em Brasília, houve diminuição de 81% dos casos de dengue em 2024, quando comparado com o ano passado. Este número reflete o trabalho em conjunto e colaborativo da população com as equipes do Governo do Distrito Federal.
Dentre os métodos preventivos, existe o uso da planta Citronela (C. winterianus). De fato, já há comprovação de que ela repele o mosquito. Ao Correio da Manhã, a Secretaria de Saúde do DF confirma sua eficiência, mas alerta que a utilização isolada não é suficiente.
“A citronela é uma excelente alternativa para espantar o Aedes aegypti, mas esclarecemos que é preciso aliá-la às boas práticas de prevenção, pois, embora o produto ajude a afastar os mosquitos, ele não substitui as demais medidas preventivas. É preciso manter terrenos limpos, não deixar recipientes com água parada, tampar caixa d’água, limpar calhas, entre outras ações para evitar o aparecimento de ambientes favoráveis à reprodução e criadouros dos mosquitos”, diz a secretaria.
Iniciação científica
O fato, porém, é que feita a associação recomendada pela secretaria, o uso da citronela é muito bem-vindo. Nesse sentido, um grupo de cinco alunos do segundo ano do ensino médio e dois professores, de química e biologia, da rede pública do Centro Educacional 08, no Gama, desenvolveram técnicas de extração do óleo da planta para a sua aplicação no combate à dengue.
A partir de um equipamento de destilação, com materiais de baixo custo, os estudantes e seus professores transformaram o óleo em difusores e velas repelentes, distribuídos para a comunidade escolar a fim de diminuir a incidência dos mosquitos no ambiente.
Conscientização
Ao Correio da Manhã, a professora de química Lucília Zeymer, coordenadora do projeto, conta que o interesse dos educandos pelo desenvolvimento de produtos no combate à dengue iniciou-se após uma visita de campo providenciada pela Secretaria de Saúde durante o programa Geiplandengue, de conscientização sobre os riscos e métodos de prevenção para dentro das escolas. Na ocasião, os alunos acompanharam os agentes para observar as metodologias aplicadas no combate. Foi a partir daí que o grupo resolveu desenvolver um projeto de iniciação cientifica para contribuir nessa luta.
“Foi um projeto que se iniciou a partir de ideias, que foram aperfeiçoadas e chegou no ponto de materializar as sugestões. Estou muito feliz com os resultados e reconhecimento que tivemos. Os meninos se comprometeram e abraçaram todo o processo, desde a pesquisa, plantio, colheita e preparação do material. Eu posso afirmar que nós ensinamos, mas quem deu forma foram os alunos. Eles que tiveram a iniciativa e proatividade necessária para dar certo”, diz a professora.
Teoria e prática
O professor de biologia Daniel Rodrigues afirma que é essencial oportunizar aos estudantes que apliquem o conhecimento teórico à prática.
“A aprendizagem torna-se mais significativa, visto que eles podem aplicar os saberes adquiridos, tornando-se agentes ativos na divulgação do conhecimento construído. A diferença está na formação de cidadãos críticos e conscientes de sua participação ativa na resolução de problemas do cotidiano”.
Além dos difusores de citronela, os educadores explicam que o projeto estimula a curiosidade dos alunos sobre práticas científicas e ambientais.
“Assim, aumenta o interesse pela ciência e pela pesquisa, ao mesmo tempo que contribui para a prevenção da dengue na comunidade local”, destaca a coordenadora.
Prêmio
O projeto, intitulado “Extração de óleo essencial de Citronela com o uso de materiais de baixo custo” ficou em primeiro lugar no 13º Circuito de Ciências das Escolas do DF na categoria “Ensino Médio em Tempo Integral e Educação Profissional e Tecnológica”. O resultado foi publicado no início de dezembro.
Desenvolvido pela Secretaria de Educação do DF, a premiação teve participação de 80 mil estudantes de 14 Regionais de Ensino e 512 trabalhos concorrentes. Foram 136 avaliadores voluntários que escolheram os vencedores.
O tema do Circuito de Ciências deste ano foi “Biomas do Brasil: diversidade, saberes e tecnologias sociais“.
Extração e combate
Para a produção, algumas etapas foram seguidas. Inicialmente, foi cultivada a planta em uma horta feita pelos próprios alunos dentro da escola, em acordo com as práticas agrícolas adequadas. Após o crescimento da planta, que leva de quatro a seis meses, a equipe colheu as folhas, as lavou e secou.
Cumprida a primeira fase, iniciou-se o a extração. Os estudantes desenvolveram um sistema de destilação construído no laboratório da escola com uma panela de pressão e um tubo de cobre, que conecta a panela em um recipiente. Assim, quando elevada a temperatura, começa um processo de ebulição, que depois é condensado, resultando no óleo.
“O vapor passa através das folhas de citronela dentro da panela, aquecendo-as e vaporizando os compostos voláteis, incluindo o óleo essencial. A mistura de vapor e óleo essencial atravessa o condensador imerso em água gelada o que promove a condensação dos vapores. A mistura condensada de água e óleo essencial é coletada em um recipiente apropriado. O óleo essencial, sendo menos denso que a água, flutua na superfície e é separado por decantação ou usando um funil de separação”, diz a íntegra do projeto.
Esse óleo foi utilizado para a produção de difusores e velas aromáticas que repelem o mosquito da dengue. Os alunos distribuíram os repelentes na escola a fim de diminuir o vírus entre a comunidade escolar.
Lucília conta que os participantes gostaram tanto da experiência que no ano que vem já manifestaram interesse em pesquisas para a extração de outras plantas.
Estudantes
Júlia Dámasio, 16 anos, disse ao Correio pretende ser médica e que percebeu uma felicidade coletiva de todos quando viram os resultados,
“Nos esforçamos muito. O resultado obtido foi bastante gratificante e honroso para todos nós. Foi uma felicidade coletiva, tanto de nós alunos, como dos professores e equipe gestora de nossa escola. Pude aprender sobre diversas coisas, entender melhor sobre a dengue, sobre o processo de destilação, mas acima de tudo, sobre companheirismo, paciência, amizade e principalmente, sobre confiança”, afirma Júlia.
Já Mariana Alves, 17 anos, destaca que o maior aprendizado foi perceber a possibilidade de fazer ciência.
“Um dos maiores aprendizados foi eu ver que nós podemos trazer a ciência para nossa vida e quebrar esse tabu de que ciência é só para os grandes. A ciência está em cada coisa do nosso dia a dia. O processo foi incrível, obtivemos trabalho, porém, com apoio dos coordenadores que incentivaram e viram potencial em mim e em cada um que participou, conseguimos. No início eu não tinha noção da imensidão. Eu digo que ganhar Circuito foi além de só um prêmio, foi ganhar amizades, experiências e ver que eu posso ir além do que eu posso imaginar”.
Emendas
Durante audiência pública na Câmara Legislativa do DF para debater o tema de medidas para combater a dengue, o projeto foi apresentado em plenário pelas alunas. Na ocasião, o deputado João Cardoso (Avante) manifestou interesse em oferecer verbas de emendas parlamentares para ampliar a extração de citronela nas escolas.
Ao Correio da Manhã, Cardoso afirmou que a emenda nesse sentido já deverá estar pronta no primeiro semestre de 2025. Ele ainda pretende visitar a escola para conhecer o projeto de perto, identificar as dificuldades e necessidades para expandir a iniciativa para outras escolas.