Por: Cláudio Magnavita*

Orchestra, o navio do Rio e o show de cidade vista a bordo

Ilha Fiscal, local do último baile do Império, no coração da Baía de Guanabara | Foto: Cláudio Magnavita

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Vista do Rio de Janeiro ao fundo da Baía de Guanabara | Foto: Cláudio Magnavita

Quando a futura imperatriz brasileira, Teresa Cristina, princesa da Casa Real das Duas Cecílias, zarpou de Nápoles em direção ao Rio de Janeiro para encontrar o seu noivo, o imperador D Pedro II, não imaginava o espetáculo da natureza que a aguardava na sua chegada ao Rio. A princesa napolitana, que trouxe o sangue italiano para a casa real brasileira, não imaginava o deslumbre da natureza do seu novo império. A chegada de navio ao Rio é um dos espetáculos mais lindos que a vida no mar possibilita, afirma o comandante Carmine Siviero, napolitano como a Imperatriz , que semanalmente entra no porto do Rio com o navio MSC Orchestra , um transatlântico com capacidade de 3.200 passageiros, 900 tripulantes, que neste período de verão tem a sua base na cidade maravilhosa.

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O diretor de cruzeiros Rafael Freire, a diretora de hotelaria Manuela Carusio e o comandante Carmine Siviero | Foto: Cláudio Magnavita

Nascida em Sorrento, a beira da bela Nápoles, grande parte da tripulação do Orchestra é napolitana, como a diretora de hotelaria  do navio, Manuela Carusio, que, da janela do seu escritório, no quinto andar, assiste o mesmo visual que tanto encantou sua conterrânea Teresa Cristina, há 182 anos.

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Cristo Redentor, o principal ponto turístico do Rio | Foto: Cláudio Magnavita

Existe uma conexão muito forte e até imperceptível entre o Rio e Nápoles. Duas cidades com baía e com uma cultura que foi trazida do Reino das Duas Cecílias pela imperatriz. Além de missões artísticas e culturais, o Brasil recebeu de presente vários legados napolitanos, como uma coleção de minerais e muita arte. "Alguns termos do português falado no Rio são napolitanos", afirma Manuela, como "abaixar", além da gastronomia.

No Orchestra, todos elogiam a pizza, que a noite sai em fornadas até uma hora da manhã, no restaurante do 13º andar. Pizza com massa e tempero napolitano.

Se o navio do Rio é dirigido por napolitanos, os funcionários mais simples são de origem asiática, especialmente indonésios e de Bali. São mais de 40 nacionalidades a bordo, um perfeito exemplo da convivência universal, como destaca o diretor de cruzeiros Rafael Ferreira Freire, um brasileiro que há quase duas décadas vive o mundo dos cruzeiros e é casado com italiana e tem residência na Itália.

O Orchestra é um navio que cativa, diferente dos grandes transatlânticos, como o Seaview, com quase o dobro de passageiros. Enquanto o primeiro é um confortável hotel europeu com muito aconchego e personalização, o segundo é um moderno shopping center. As pessoas fazem amizade e em um cruzeiro de uma semana já é possível compartilhar e conhecer as suas histórias. Algumas interessantes e outras assustadoras. Tudo fruto de um compartilhamento involuntário de mesa que ocorre no almoço.

No cruzeiro de Ano Novo, um médico legista mineiro, de Teófilo Otoni, compartilha detalhes do trabalho que teve com as vítimas de um acidente de ônibus, causado por uma pedra que vitimou dezenas de pessoas. Para ele, um tema trivial, mas a mesa perdeu o apetite. Também em um almoço, um casal comemorava quase cinco décadas de casamento, com uma mesa ao lado de uma jovem viúva que viaja com o filho para relembrar o marido recentemente falecido. Também a bordo, um casal que escrevia suas memórias. Um engenheiro mineiro que viveu o mundo e, com 62 anos de casado, faz seguidas viagens de navio. Um exemplo de vida documentada, já que ela mantém um diário desde a adolescência.

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Cruzeiro tem capacidade para 3200 passageiros | Foto: Marcelo Perillier

O navio

O Orchestra possui duas classes, a Experiência Bella e a Experiência Áurea, que tem alguns privilégios, como não ter horário de turno para jantar e prioridade no embarque e desembarque. As cabines possuem melhor localização e as com varanda mar são fantásticas. Porém, as internas e vista mar com escotilhas funcionam, já que ninguém viaja para ficar no quarto. Cada uma dentro de uma realidade de custo, mas com a mesma comida e serviços. Ponto alto para o deck exclusivo para o Áurea no 16º andar. Único lugar para tomar sol com tranquilidade, privacidade e um bar de apoio.

O cassino do navio é explorado por uma empresa asiática e funciona como uma atração à parte, sem grandes jogadores profissionais. As máquinas de slots machines fazem sucesso com os neófitos e, pelo menos, uma das três roletas estão sempre cheias. As mesas de blackjack são mais profissionais.

Para quem quer sucesso, o esconderijo do navio é o Havana Club, um espaço para charuteiros. Como no Brasil o fumo é proibido, ele vira uma sala de leitura, já que, infelizmente, a biblioteca, ponto de sossego de qualquer navio, virou estúdio fotográfico. Lamentável.

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Equipe de entretenimento e show fez sucesso no navio | Foto: Cláudio Magnavita

As atrações artísticas são ótimas nos bares. Já na piscina, o nível musical é muito popular e a cantora, um misto de Alcione com Margareth Menezes, arranha mais o ouvido do que movimenta.

Um cuidado à parte é para a discoteca no 14º andar, na popa. Ponto de encontro de teens que ficam até altas horas e brincadeiras de adulto. O controle de álcool por menores (mesmo que emprestado por um maior) deveriam ser mais rígidos. Também na disco, a seleção musical mereceria um DJ mais cauteloso e antenado.

A vantagem do Orchestra permite um ambiente mais acolhedor. O navio pertence à classe Música. Foi lançado em 2017 e passou por um retrofit em 2023. Depois desta temporada, deverá passar por ajustes e modernização de cabine.

Um ponto alto são os shows no teatro Covent Garden localizado na proa do navio. São shows profissionais de 30 minutos cada, com elenco internacional e figurino que merece aplauso. Teatro para 1500 pessoas com equipamentos de última geração e duas apresentações diárias. Vale a pena assistir.

O navio, apesar de sair do Rio, não é só dos cariocas. Muitos mineiros e nordestinos, já que a conexão aeroporto/porto é mais cômoda do que ir até Santos, de onde parte os grandes navios.

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Museu do Amanhã, obra que encantou ainda mais a Praça Mauá | Foto: Cláudio Magnavita

O embarque e desembarque é profissional com a estrutura do Píer Mauá, que inclui até carrinhos de bagagem. Tudo muito organizado e com o fluxo de carros, táxis e Uber disciplinado pela estrutura do Porto Maravilha. É um caos organizado e com melhores níveis de seguranças.

Para 2025/2026 a MSC vai deixar no Rio um navio menor, de 2500 passageiros. Um ar de exclusividade ainda maior. O Orchestra retorna a Europa saindo do Rio em abril em uma viagem de travessia do Atlântico. Durante o verão, as saídas serão semanais, com destinos para Argentina e Uruguai, além do Nordeste. Vale o luxo de sair e voltar de casa e embarcar em um navio no qual o espírito napolitano é muito próximo do nosso.

O ponto alto da viagem será sempre o Rio. A sua saída e chegada são deslumbrantes. É a mesma sensação que viajantes estrangeiros experimentaram durante séculos. Apesar da bandeira do Orchestra ser do Panamá, os suspiros da imperatriz napolitana Teresa Cristina e de milhares de outros imigrantes podem ser reproduzidos pelos os que assistem a entrada na Baía de Guanabara, com os Pão de Açúcar de um lado e a fortaleza de Santa Cruz do outro. Só este espetáculo de montanhas à beira mar, visto na altura de 15 andares deste transatlântico, vale a viagem. Afinal, é o navio cativo e cativante da cidade portuária mais linda do mundo; que Nápoles nos perdoe.

Reveillon a bordo

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Céu limpo ajudou no espetáculo pirotécnico, que encantou turistas e cariocas | Foto: Cláudio Magnavita

Todo carioca deveria uma vez na vida assistir a passagem de ano a bordo de um dos transatlânticos que ficam ancorados em Copacabana, na noite do dia 31. Em nenhum lugar do mundo o espetáculo é tão magnífico. Este ano, quem estava a bordo viu melhor. A fumaça ficou para a praia e, nos navios, o espetáculo foi pleno. Um colar de 10 balsas que arrancaram aplausos. No mar, a visão é completa e única. Indescritível. Coloque na sua agenda. É realmente memorável.

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Visão dos fogos de Copacabana do navio no Réveillon 2025 | Foto: Fotos CM

*Diretor de redação do Correio da Manhã