O Grupo italiano Sol vem investindo no mercado brasileiro. No ano passado, o conglomerado global, que se destaca na produção e distribuição de gases técnicos e médicos, adquiriu 85% do capital da Pronep, empresa pioneira em atendimento domiciliar, o chamado home care, no Brasil. Desde então, a empresa fundada no Rio de Janeiro em 1992, passou a estar ao lado da Global Care, Rede Relief e Vivisol, empresas também controladas pela multinacional. Juntas, essas empresas faturam anualmente cerca de R$ 350 milhões. O CEO do Grupo SOL, Aldo Fumagalli Romario esteve no Brasil para inauguração da nova sede da Pronep, que você confere todos os detalhes na Coluna Magnavita. Nascido em Milão e formado em engenharia quimica, o executivo conversou com a reportagem sobre perspectivas do conglomerado e, em especial, sobre o mercado brasileiro. Em 2023, o grupo, presente em 32 países, registrou um faturamento de 1,487 bilhões de dólares (R$ 9,29 bilhões).
CORREIO DA MANHÃ - Olhando para o futuro do setor de saúde, quais tendências o senhor acredita que terão maior impacto na forma como as empresas prestam serviços médicos e hospitalares?
ALDO FUMAGALLI ROMARIO - Estamos em um momento de grandes mudanças, principalmente porque as pessoas estão vivendo mais. Nossa empresa gera diretamente 7 mil empregos em 32 países e tem 60% do seu volume de negócios relacionado aos cuidados de saúde. No entanto, o aumento da longevidade também significa um crescimento na incidência de doenças, especialmente respiratórias e cardiológicas, à medida que a população envelhece. E são justamente essas doenças, em especial as respiratórias, que estão no centro da atuação do nosso grupo, sobretudo na VIVISOL, responsável por metade do nosso faturamento, equivalente a quase 5 bilhões de reais.
CM - Acredita, então, em mudanças nos sistemas de saúde?
ALDO FUMAGALLI ROMARIO - Sim. Todos os sistemas de saúde estão a tentando se reestruturar por causa da crescente demanda por serviços de saúde e, para isso, precisamos realmente avançar na questão da desospitalização, ou seja, o paciente precisa permanecer no hospital o menor tempo possível, para não gerar custos desnecessários. O atendimento domiciliar é uma alternativa, mas é preciso ter empresas que sejam capazes de acompanhar bem os pacientes em casa. Esse é o desafio do atendimento domiciliar. Atendemos, hoje, 750 mil pacientes em todo o mundo, pois conseguimos mostrar que a qualidade de vida que se tem em casa é melhor do que em um hospital. Muito se deve aos avanços tecnológicos, que propicia dispositivos médicos portáteis, de menor tamanho, que permitem levar cada vez mais terapias para casa das pessoas. Ampliar esse acesso é o desafio do futuro, aquele em que estamos engajados.
CM - O Grupo Sol tem um portfólio diversificado que inclui gases industriais, medicamentos, home care, biotecnologia e energias renováveis. Como ocorreu esse crescimento?
ALDO FUMAGALLI ROMARIO - A empresa foi fundada há quase 100 anos pela minha família, Fumagalli, e pela família Annoni, que ainda hoje lideram o grupo. Eu sou da terceira geração e a quarta já está presente no negócio. No início produzíamos apenas gases técnicos, ou seja, oxigênio, nitrogênio, argônio, hélio, acetileno. Nos anos 80, começamos a explorar a área da saúde, principalmente porque o setor começou a crescer mundialmente. O atendimento domiciliar integrado na época consistia principalmente na provisão do oxigênio para terapias de longo prazo para pacientes com broncopatia obstrutiva crônica, pessoas que morrem em poucas semanas ou meses se não respirarem oxigênio por mais de 15 horas por dia. Graças ao oxigênio, eles podem viver anos. Começamos assim na Europa, hoje somos o número o segundo maior player no continente.
Depois começámos também a oferecer outras terapias respiratórias em domicílio, como a ventilação mecânica, que foi um equipamento utilizado pelo nosso Santo Padre, o Papa, para o ajudar a respirar melhor. Mas decidimos expandir para outras atividades, como nutrição enteral e parenteral, para pessoas que não podem se alimentar por via oral. Passamos a oferecer, também, cuidados paliativos a pessoas que precisam de terapias para dor. Por exemplo, pacientes com câncer. Hoje temos uma enorme diversidade de serviços, principalmente no setor de saúde. Fomos além do atendimento domiciliar e fornecemos gases medicinais para hospitais e clínicas.
CM - Qual negócio que tem alcançado crescimento relevante?
ALDO FUMAGALLI ROMARIO - Um dos negócios que tem registrado crescimento significativo é o de hospitais de transição, que atende aquele paciente que passou da fase aguda da doença ou está no estágio final de recuperação de uma cirurgia, ainda precisando de atenção especializada, mas sem opção de ficar em casa. Temos hospitais de transição no Brasil, na Polônia, Alemanha e Itália, com um crescimento anual de 10% nesse setor.
CM - A sustentabilidade é um tema cada vez mais relevante, quais as iniciativas do grupo Sol que se destacam na área ambiental?
ALDO FUMAGALLI ROMARIO - Adoção de práticas sustentáveis tem norteado nossas decisões, como produzir a energia que consumimos através de modalidades renováveis. Hoje mais de 14% da energia que consumimos provém de usinas hidrelétricas que construímos. Temos parques eólicos e campos fotovoltaicos. Estamos construindo mais um campo na Itália. Passamos a ser avaliados pela Carbon Disclosure Project (CDP), que avalia como as empresas se preparam para as alterações climáticas em termos de redução das emissões de CO2. Numa escala de AF temos uma classificação B, o que indica um esforço importante nessa direção. A igualdade de gênero é outro tema que temos avançado. Atualmente 40% de nossos colaboradores são mulheres, mas entre os novos contratados a divisão é quase de 50%. Além disso, estamos atentos à igualdade na forma como homens e mulheres são remunerados.
CM - O Brasil pode se tornar um mercado-chave para futuras expansões na América Latina?
ALDO FUMAGALLI ROMARIO - O Brasil já é, para nós, um mercado muito importante. Atendemos mais de 5 mil pacientes no país e geramos 500 empregos diretos e 5 mil indiretos, com um faturamento de aproximadamente 350 milhões de reais. Certamente, o Brasil desempenha um papel estratégico para nossas operações em outros países. Há dois anos, criamos uma joint venture no Equador no setor de gases técnicos, graças à nossa presença no Brasil. Aliás, minha primeira filha é casada com um brasileiro e tenho dois netos nascidos aqui.
CM - O que motivou o grupo a adquirir a Pronep?
ALDO FUMAGALLI ROMARIO - A Pronep é uma peça muito importante na nossa estratégia aqui no Brasil, que já vínhamos desenvolvendo desde 2019. Assim que conhecemos a empresa, tentamos, naquela época, integrá-la ao nosso grupo. No entanto, tivemos o prazer de conhecer Josier Vilar, o fundador da empresa, e percebemos que era uma companhia respeitada, com um excelente nome no setor. Para nós, essa aquisição foi importante, pois assegurou a nossa entrada no Rio de Janeiro. Tenho muito orgulho de estar no Rio para inauguração da nova sede, pois é mais um marco de um novo momento da empresa, agora integrada ao nosso grupo. Hoje o setor de atendimento domiciliar vive um período difícil, reflexo do cenário dos planos de saúde. Precisamos caminhar cada vez mais no sentido da inovação tecnológica, sempre focada no interesse dos pacientes e, portanto, nos cuidados adequados em casa. Isso exige prestadores de atendimento domiciliar como nós, que estejam equipados, capacitados e que recebam uma remuneração justa.
C M - A Pronep já tem uma sólida reputação no mercado brasileiro. Haverá mudanças nas operações da empresa ou ela manterá sua estrutura de identidade?
ALDO FUMAGALLI ROMARIO - Não, absolutamente. Manterá a sua história, a sua estrutura, a sua identidade. É evidente que os últimos anos não foram fáceis devido ao cenário da saúde suplementar, mas temos certeza de que, junto com as demais empresas brasileiras do nosso grupo, o futuro é muito promissor.
CM - Você acredita em uma integração maior entre Europa e América Latina?
ALDO FUMAGALLI ROMARIO - Vivemos um período geopolítico turbulento, o que exige cautela em prever os próximos passos. No entanto, sempre defendi que fortalecer os laços entre países com uma história em comum é essencial. O Brasil, por exemplo, tem uma grande comunidade italiana. Portanto, devemos trabalhar para construir pontes maiores entre a América Latina e a Europa, especialmente entre a Itália e o Brasil. Isso aumentará o intercâmbio, a confiança e a capacidade de trabalharmos juntos.