O Saci só tem uma perna. O Curupira, os pés voltados para trás. Heróis, portanto, que têm a deficiência entre as suas características. Em março de 2025, o Brasil ganhou um novo videogame que mistura a riqueza do folclore nacional com a inclusão social e a acessibilidade digital. O jogo “Caminho Místico”, desenvolvido pela Chicarelo Entretenimento, oferece uma jornada repleta de figuras icônicas do folclore brasileiro, como Curupira, Boitatá, Cuca, Matinta Pereira e Saci-Pererê, enquanto explora temáticas de acessibilidade, educação e inclusão.
Com o apoio da Lei Paulo Gustavo e do Governo do Estado de São Paulo, o jogo foi lançado com a proposta de se tornar uma ferramenta educativa e interativa, que não apenas entretenha, mas também promova o reconhecimento e valorização da cultura brasileira, especialmente entre os mais jovens. Além disso, a acessibilidade foi um dos pilares desse projeto, que inclui a implementação de Libras (Língua Brasileira de Sinais) e outras adaptações voltadas para pessoas com deficiência.
Raízes da vida
A ideia para “Caminho Místico” surgiu de uma paixão pessoal do criador, Renato Costa da Silva, conhecido como Renatinho, que cresceu no Nordeste, onde as lendas do folclore brasileiro faziam parte do seu cotidiano. Segundo Renatinho, desde pequeno ele se encantou com as histórias contadas por seus avós sobre personagens como o Lobisomem e o Curupira. O interesse pelo folclore nacional, que sempre o fascinou, foi o ponto de partida para a criação do jogo, que busca traduzir essas histórias para uma experiência interativa no universo digital.
"Eu cresci ouvindo essas histórias, e sempre achei que seria incrível poder transformar essas narrativas em um jogo", comenta Renatinho. "Quando surgiu a oportunidade, me dediquei a essa ideia, e com muito esforço, conseguimos realizar esse projeto. Minha lenda favorita, sem dúvida, é a do Lobisomem. Cresci ouvindo histórias sobre ele, principalmente contadas pelo meu avô. Ele sempre dizia que essas coisas não existiam, mas, ao mesmo tempo, contava que certa vez viu um lobisomem na varanda de casa. Eu fiquei intrigado: se ele disse que não existia, como poderia afirmar que viu um? Essa dualidade entre ceticismo e crença me marcou muito."
A motivação para falar sobre o folclore brasileiro vai além do gosto pessoal. O criador acredita que o Brasil possui uma riqueza cultural única, mas frequentemente negligenciada em favor de influências externas. Ele ressalta a importância de se valorizar as tradições locais, como as festas de São João no Nordeste e o Boi-Bumbá no Amazonas, além de reforçar o potencial do folclore como um reflexo da identidade nacional.
Para todos
“Caminho Místico” foi projetado com o objetivo de ser acessível a um público amplo, especialmente pessoas com deficiência. Em um setor que ainda enfrenta desafios relacionados à inclusão, o jogo se destaca por incorporar recursos que permitem uma experiência plena a jogadores com diferentes necessidades.
De acordo com Alexandre Chicarelo, fundador da Chicarelo Entretenimento, a acessibilidade foi uma das preocupações centrais durante o desenvolvimento do projeto. "Mais do que um jogo, queremos oferecer uma experiência inclusiva para todos, e isso inclui a implementação de Libras", afirma Chicarelo. O jogo também segue as diretrizes da Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2015) e do Decreto 11.525/2023, garantindo que as pessoas com deficiência possam interagir plenamente com a experiência.
Um aspecto inovador do projeto foi a colaboração de profissionais com deficiência na equipe de desenvolvimento. Um dos programadores da equipe é surdo, o que contribuiu para a criação de soluções que atendem às necessidades dessa comunidade. Outro destaque do desenvolvimento é a participação do ilustrador Uelmet Martins, que é daltônico. A experiência de Martins foi fundamental para garantir que o design do jogo fosse acessível a jogadores com diferentes percepções de cor, uma preocupação importante para a inclusão de pessoas com daltonismo.
"Esperamos que esse jogo ajude a sensibilizar a indústria sobre a importância da acessibilidade nos jogos, um setor que cresce exponencialmente a cada ano", complementa Chicarelo.
Essência brasileira
“Caminho Místico” se passa em um Brasil fantástico, repleto de desafios e personagens místicos que são centrais no folclore nacional. Ao longo do jogo, os jogadores assumem o papel de heróis que devem ajudar figuras como o Curupira e o Saci-Pererê a superar obstáculos e resolver enigmas com diversas charadas. O jogo mescla elementos de plataforma e quebra-cabeças, exigindo estratégia e habilidade dos jogadores para avançar nos níveis.
Renatinho, animador e dublador, é um dos responsáveis por dar vida aos personagens do jogo. Ele dublou o Saci e trabalhou na animação dos personagens. Para ele, o projeto foi uma oportunidade única de trabalhar com uma temática que sempre o fascinou, além de proporcionar uma experiência inclusiva para crianças que, até então, não tinham essa oportunidade.
O projeto “Caminho Místico” também se distingue por seu caráter educativo. Ao integrar elementos do folclore e trabalhar com personagens conhecidos de diferentes regiões do Brasil, o jogo permite que as crianças aprendam sobre a cultura e as lendas nacionais de uma maneira divertida e interativa.
Impactos positivos
A equipe envolvida no desenvolvimento do jogo acredita que ele tem o potencial de sensibilizar o público e a indústria para a importância da inclusão nos jogos eletrônicos. Para Micheli Cristina Bertuccio Sales, diretora de arte e gerente de projeto, o jogo oferece mais do que uma experiência de entretenimento. "Caminho Místico será uma ferramenta poderosa dentro e fora da sala de aula, incentivando o pensamento crítico, a criatividade e a imaginação", afirma ela.
Vinícius Sousa Oliveira, desenvolvedor, também destaca a importância da inclusão de Libras no jogo. "A inclusão da Libras no jogo é essencial para democratizar o acesso à informação e promover a inclusão social. Muitas crianças não têm contato com essa linguagem, e poder proporcionar isso dentro de um game é incrível", explica.
A acessibilidade e a educação são pilares fundamentais do jogo, alinhados a quatro Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU: Saúde e Bem-Estar (ODS 3), Educação de Qualidade (ODS 4), Igualdade de Gênero (ODS 5) e Redução das Desigualdades (ODS 10). A equipe de “Caminho Místico” busca, assim, não só entreter, mas também contribuir para um mundo mais inclusivo e educacionalmente consciente.