Por: Isabel Dourado

Saneamento insuficiente no Brasil causou 344 mil internações em 2024

Dejetos são jogados em rios, que acabam poluídos e impróprios para o consumo da água | Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

Março é o Mês Mundial da Água. E, no Brasil, um país com abundância em recursos hídricos, não há muito o que comemorar, porque o país negligencia ações de saneamento básico. O Instituto Brasil, em parceria com a EX Ante Consultoria, publicou o estudo “Saneamento é saúde: como a falta de acesso à infraestrutura básica impacta na incidência de doenças (DRSAI)”, analisando o impacto do saneamento ambiental inadequado no Brasil entre 2008 e 2024. Os dados do levantamento, obtidos pelo Correio da Manhã, mostram que regiões com infraestrutura precária apresentam um aumento significativo no número de internações e óbitos resultantes das Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI), afetando principalmente crianças e idosos.

André Machado, Coordenador de Relações Institucionais e Comunicação do Instituto Trata Brasil, afirma que o Brasil ainda está distante de atingir as metas de saneamento básico. “Em diversos estudos, temos analisado o quão distante o Brasil está de atingir esses índices. Sabemos que, se continuarmos no ritmo atual de expansão, a universalização do saneamento pode ocorrer somente em 2070, o que representa um grande atraso em relação à meta estabelecida pelo novo marco do setor, que é 2033. Dessa forma, é imprescindível que prefeitos e prefeitas coloquem o saneamento básico como uma prioridade nas suas gestões, começando já este ano”.

Machado destaca a necessidade de aumentar os investimentos em saneamento básico no país. Para isso, ele defende a atualização de instrumentos de gestão, como o Plano Diretor, os Planos Municipais de Saneamento Básico e os Planos de Adaptação Climática, incorporando políticas de segurança hídrica, coleta e tratamento de esgoto, drenagem urbana e abastecimento de água à população.

“Atualmente, o Brasil investe, em média, R$ 111,44 por ano por habitante, quando o ideal seria R$ 231,90, conforme previsto no Plano Nacional de Saneamento Básico. Portanto, será necessário buscar todo o apoio financeiro disponível, tanto público quanto privado, para avançarmos nesse desafio”.

O que são as DRSAI?

As Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado incluem enfermidades já conhecidas pela população, como diarreias, cólera, hepatite A, dengue, malária, leptospirose, conjuntivite, entre outras. Essas doenças são transmitidas por ingestão de água contaminada, contato com águas poluídas, vetores como mosquitos ou por falta de higiene adequada.

A ausência de saneamento básico potencializa a proliferação dessas enfermidades. Comunidades que não têm acesso a coleta de esgoto e abastecimento de água tratada estão mais vulneráveis a contaminação, resultando em um maior número de internações e óbitos por DRSAI. Além disso, a pesquisa mostra que essas doenças afetam desproporcionalmente populações de menor status socioeconômico.

344 mil internações

O estudo revelou que, em 2024, o Brasil registrou 344,4 mil internações por DRSAI, uma queda em relação aos 615,4 mil casos de 2008, o que representa uma redução média anual de 3,6%. No entanto, apesar da melhora nos índices gerais, as doenças transmitidas por insetos vetores continuam preocupantes, representando 49% das internações registradas em 2024, sendo que a dengue foi responsável por 164,5 mil dessas hospitalizações. Já as doenças de transmissão feco-oral (quando se ingere coliformes fecais resultantes da água contaminada) representaram 47,6% dos casos.

Embora o acesso ao saneamento tenha avançado no Brasil, o Instituto Trata Brasil avalia que a ampliação dos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto é fundamental para a redução de casos de DRSAI e para garantir melhores condições de saúde à população brasileira.

Regiões

Na região Nordeste, 77% das internações em 2024 ocorreram devido a doenças de transmissão feco-oral, com destaque para os estados do Maranhão, Bahia e Ceará, onde a incidência desse grupo foi mais alta. O levantamento aponta que o estado do Maranhão foi o pior na análise de incidência total de doenças quanto na de incidência feco-oral.

De acordo com a pesquisa, crianças de 0 a 4 anos e idosos representam 43,5% das internações. André Machado explica que esses dados evidenciam que crianças e idosos são os grupos mais vulneráveis às doenças relacionadas à falta de saneamento básico. Para as crianças, o impacto é mais profundo, pois o acesso ao saneamento é essencial para o desenvolvimento saudável, influenciando a educação e o futuro profissional.

“No recorte de gênero, 53% das internações afetam as mulheres. Em termos de faixa etária, as crianças de 0 a 4 anos representam 20% das internações, enquanto os idosos correspondem a 23%, sendo esses os dois grupos mais atingidos. No recorte étnico, observa-se que a população parda e preta lidera o volume de internações, com 64,8% do total. Contudo, quando analisamos as taxas de incidência a cada 10.000 habitantes, as maiores taxas são observadas nas populações amarela e indígena, com 36 e 27 casos, respectivamente, a cada 10.000 habitantes”.

No ano passado, na 16ª edição do Ranking do Saneamento, o Instituto Trata Brasil apontou que cerca de 32 milhões de brasileiros não têm acesso a água potável e 90 milhões não têm coleta de esgoto. Das 20 melhores cidades, 12 estão no Sudeste, seguidas pelo Sul (cinco) e Centro-Oeste (três). Maringá (PR) lidera, seguida de São José do Rio Preto (SP), Campinas (SP), Limeira (SP) e Uberlândia (MG). Por outro lado, as 20 piores cidades estão no Norte (sete), Nordeste (seis) e Sudeste (cinco). Em Porto Velho, apenas 41,74% da população tem acesso à água de qualidade, seguidos por Ananindeua (PA) com 42,74%, Santarém (PA) com 48,8%, Rio Branco (AC) com 53,5% e Macapá (AP) com 54,38%.

Segundo o Instituto, a universalização do saneamento no Brasil tem o potencial de reduzir em 86.760 o número de internações por DRSAI no país. Com um custo médio de R$506,32 por internação em 2024, essa diminuição de casos resultaria em uma economia anual de R$49,928 milhões. A manutenção desse benefício ao longo do tempo – ou seja, o impacto positivo nas despesas hospitalares para a sociedade brasileira – representaria um valor de R$1,255 bilhão.