O Correio da Manhã tem acompanhado de perto o processo de licenciamento para uma Usina Termelétrica (UTE)em Brasília, entre as regiões administrativas de Samambaia e Recanto das Emas, com potência de e 1470 MegaWatts. Uma operação que se movimentava na surdina, envolvendo diversos interesses comerciais, que inclusive envolvem o empresário Carlos Suarez, conhecido como “Rei do Gás”, ganhou destaque depois de uma manifestação numa escola que seria desapropriada para a construção da usina. Depois disso, a audiência pública de licitação, marcada para março, foi suspensa. E a discussão só se intensifica.
2,5 milhões de carros
Em primeira mão à reportagem, o instituto internacional Arayara, organização científica e climática especializada em energia e direitos, disponibilizou ofício protocolado junto ao Instituo Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), em 21 de março, que elenca os malefícios da construção de Usinas Termelétricas (UTE) na região Centro-Oeste. Os pesquisadores afirmam que as instalações são um risco para o bioma do Cerrado, que detém quase 70% das bacias hidrográficas do Brasil.
O Cerrado ocupa 23% do território do país, com mais de 2 milhões de km². O documento destaca a necessidade de um estudo sinergético cumulativo devido à proximidade das usinas, localizadas a apenas 120 quilômetros uma da outra. Além da termelétrica do DF, estão previstas mais duas outras na região Centro-Oeste. Juntas, elas irão emitir mais de 11,8 milhões de toneladas de CO2 por ano, o equivalente à emissão de cerca de 2,5 milhões de automóveis durante um ano, o que corresponde a toda a frota de veículos do estado da Bahia.
Ao Correio, Jhon Wurdig, gerente de transição energética do Arayara, explica que o estudo é justamente para contemplar quanto de gás carbônico o empreendimento pode acumular com os três equipamentos em funcionamento. “Quando subir para a atmosfera, a soma da poluição das três usinas será somada. Mas o Ibama está avaliando a poluição dessas usinas de forma isolada”.
Sobre o caso, em nota, o Ibama disse ao jornal que não vai se posicionar, uma vez que estão agindo dentro da legalidade e não há obrigação vinculante sobre os estudos solicitados. Segundo a Arayara que, até o fechamento desta edição, o Ibama não respondera ao ofício.
Licenciamentos
Sobre a usina do DF, porém, em entrevista exclusiva, o coordenador de Licenciamento Ambiental de Energia Nuclear, Térmica, Eólica e Outras Fontes Alternativas do Ibama, Eduardo Wagner, esclareceu como funciona o processo de emissão de licenciamentos para a construção de Usinas Termelétricas. Mas deixou claro: o Ibama ainda não tem concluiu se irá ou não admitir a construção da termelétrica.
Wagner explica que o processa para instalação da UTE só se viabiliza por modalidade de leilão, considerando o alto custo do empreendimento. Destaca que, embora o órgão esteja emitindo a licença prévia para a empresa que visa construir a usina na capital, para dar continuidade ao procedimento e, na ocasião, emitir licença de instalação, é necessário que a empresa primeiro ganhe o leilão de energia.
“Em outros termos, há muitos projetos especulativos. Nos últimos oito anos, emitimos cerca de 16 licenças prévias para projetos termelétricos, mas nenhuma venceu o leilão de energia”.
Além da licença prévia, o órgão destaca que ainda é necessária a licença de Instalação e, posteriormente, a licença de operação para o funcionamento do aparelho. Ou seja, são três licenças diferentes emitidas pelo Instituto.
Eduardo ressalta que não é o governo, seja federal ou local, que propõe projetos de UTE, e sim empresas interessadas. É nesse momento que o Ibama atua e inicia o processo de licenciamento. O primeiro passo, após análise do pedido, é a emissão do termo de referência detalhando o que a empresa precisa apresentar no Estudo de Impacto Ambiental (RIMA). Após verificação do estudo, abre-se o prazo de 45 dias para a audiência pública e, realizadas as etapas, pode-se alcançar a licença prévia.
“Todas as usinas acima de 300MW precisam ter o licenciamento através do Ibama. Hoje, no Centro Oeste, o Ibama está licenciando três usinas, e há mais uma com potência menor que 300MW sendo licenciada pelo próprio estado no Goiás”, informa.
“Em termos legais, o Ibama cuida apenas das questões ambientais. Todas as demais autorizações e licenças necessárias, a empresa precisa ir atrás dos órgãos competentes”, ressalta.
O Correio perguntou se apenas a Termo Norte está concorrendo a este leilão. Eduardo Wagner confirmou que sim.
Mas ressaltou: “Quero deixar claro que a audiência pública não significa que o empreendimento vai ser licenciado. É apenas uma das etapas do processo”.
Em nota, a Termo Norte afirma ao jornal que o aparelho vai beneficiar Sistema Integrado Nacional (SIN) de energia elétrica. Visa promover o desenvolvimento econômico e empregos para a comunidade local. Segundo a empresa, estão trabalhando com alta tecnologia, com uso de gás natural, para mitigar os impactos ambientais e favorecer a transição energética para baixos níveis de CO2.
Preocupações
Diante de todas as preocupações e riscos ambientais, o Correio da Manhã questionou: “Por que emitir uma licença prévia tendo em vista todos esses pontos? Inclusive o próprio estudo reconhece mais impactos negativos que positivos”.
O coordenador respondeu que o Instituto está ciente de todas as questões sensíveis e que os analistas também estão preocupados.
“Dar aceite ao estudo não significa que estamos dando aceite ao projeto todo. A análise de mérito está sendo feita agora. Qualquer estudo de impacto ambiental, seja de qual modalidade for, terá mais impactos negativos que positivos, por se tratar de remoção local, alteração do solo, etc. Isso é normal. O que a gente quer saber é se é possível erradicar, mitigar ou controlar”, afirma.
Pré-requisito
O servidor explica que no caso é obrigatório que ocorra pelo menos uma audiência pública para esclarecer as informações à população.
“Na audiência, leva-se a informação do procedimento. A consultoria ambiental da empresa apresenta o RIMA, o Ibama apresenta o status do processo e os requisitos para a análise. O objetivo é produzir informações e diálogo”, afirma.
Em 12 de março, a audiência foi suspensa e, segundo fontes, a população não foi informada sobre o evento. Inicialmente marcada para 12 de fevereiro, a data foi corrigida após questionamentos ao Ibama, com a Termo Norte reconhecendo o erro na divulgação. Um novo comunicado indicou a audiência para 12 de março, mas um Mandado de Segurança protocolado no Tribunal de Justiça suspendeu o evento, alegando falta de tempo para analisar o estudo.
A reportagem questionou sobre o caso. Também foi perguntado se a instalação foi comunicada ao GDF, uma vez que em entrevistas anteriores, as secretarias do governo afirmaram não terem sido informados. Eduardo respondeu que a responsabilidade pela divulgação é da Termo Norte. Que dentro do Ibama, foram cumprido todos os trâmites legais, mas que a empresa publicou a data, em um primeiro momento, erroneamente.
Reunião
Membros do GDF confirmaram, anteriormente ao Correio da Manhã, que não estavam participando das tratativas da UTE, inclusive a Secretaria de Educação do DF (SEEDF).
Ocorre que, próximo ao local em que está prevista a instalação, existe uma unidade escolar pública. A Escola Classe Guariroba é a única escola do campo de Samambaia e tem capacidade para acolher mais de 500 crianças do entorno.
O Correio da Manhã teve acesso ao processo SEI de licitação, e ele aponta uma contradição. Há um documento, datado de 4 de junho de 2024, de uma reunião, com assinaturas de representeastes, no gabinete da Secretaria de Educação, para tratar da possibilidade de interdição da escola.
Dentre os presentes, havia um representante da Companhia Energética de Brasília (CEB), Odilton Vieira. A CEB confirmou a presença na reunião. Confrontada, a Secretaria de Educação respondeu com uma nota genérica.
“Até o presente momento, não recebeu nenhuma definição sobre a construção da usina em localização nas proximidades da Escola Classe Guariroba. A Pasta enfatiza que não há previsão de fechamento ou mudança da referida escola”, diz a Secretaria.
Denominador comum
Causa estranhamento o gasoduto, que nem está licenciado, estar no projeto da UTE. A transportadora de Gás do Brasil (TGBC) corre atrás do licenciamento para a instalação do aparelho, que ligaria São Carlos (SP) até Brasília, desde 2010. O projeto nunca saiu do papel.
A construção do gasoduto tem, desde então, idas e vindas. Como revelou a coluna Magnavita, o denominador comum que une o gasoduto à termelétrica chama-se Carlos Suarez. Ele é dono da Termonorte, que pretende fazer a termelétrica, sócio da CEBgás, a empresa de gás de Brasília, ligada à CEB, e sócio também da Transportadora de Gás Brasil Central S/A, com sede em Goiânia.
A CEBgás tem como o principal acionista a Termogás, que também pertence a Carlos Suarez. O gasoduto poderia existir sem a termelétrica, mas a termelétrica não é possível sem o gasoduto, porque precisaria do combustível transportado por ela.
Interessada em todo o milionário processo, a TGBC pediu celeridade no processo do Ibama. Como provocou a coluna Magnavita: “Se jabuti não sobe em árvore, usina termoelétrica não brota no Cerrado brasileiro do nada”, provoca o diretor de redação do Correio da Manhã.