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O cangaço pelos olhos delas

Por Pedro Sobreiro

Lançado neste mês de abril, a série 'Maria e o Cangaço' vem conquistando público e crítica no Disney . Estrelada por Isis Valverde e Júlio Andrade, a produção nacional original é diferente de tudo já feito na TV e no cinema para retratar o cangaço por meio da ficção, trazendo ao público essa perspectiva feminina, que é constantemente ignorada ao abordar o grupo de Lampião e Maria Bonita.

A convite da Disney, o CORREIO DA MANHÃ teve a oportunidade de conversar com Sérgio Machado e Thalita Rubio, os diretores do show, para saber um pouco mais dos bastidores da série que, segundo revelou o próprio Sérgio, nasceu de uma ideia do ator Wagner Moura e acabou ganhando forma pelo trabalho da dupla Machado & Rubio.

CORREIO DA MANHÃ: Pessoal, parabéns pela série! Ela está incrível no geral, mas o que mais chama a atenção é o elenco. Como foi reunir esse grupo tão espetacular para o projeto?

Sérgio Machado: "Essa foi uma maravilhosa pergunta para a gente começar, porque o elenco tem 56 personagens, sendo 52 atores nordestinos. E eu lembro que a gente fez uma temporada com centenas de testes em Salvador, Fortaleza, Recife, João Pessoa e no interior. E eu lembro de quando a gente mostrou os vídeos para a Disney, o Roberto Vitorino [produtor] disse que cada teste era digno de Oscar. Porque a gente achou 50 gênios para o elenco. E essa foi uma experiência que eu já tinha vivido no meu primeiro trabalho no cinema, que foi poder trabalhar com o elenco de 'Central do Brasil' e depois 'Abril Despedaçado'. Eu amo juntar elencos. E depois teve a participação de minha parceira de tantos projetos, a [preparadora de elenco] Fátima Toledo. Cada cena era uma surpresa, não só da Isis [Valverde] e do Julinho [Andrade], mas principalmente do elenco de apoio".

Thalita Rubio: "E acho muito bacana você ter falado sobre o elenco, porque é o que a gente acha. Foi espetacular! O nosso elenco infantil é muito bom! Isso foi um grande acerto, de pegar as participações menores e as crianças e conseguir encontrá-las no lugar que a gente estava filmando. Amarrou com a cidade, sabe? A gente ia nas vaquejadas e recrutava os cavaleiros. Eu lembro que passei dois dias testando sem parar o elenco de apoio, as crianças. Aí, eu parei para jantar e tive a sensação de ter testado metade da cidade [risos]. Então, no lugar que a gente estava filmando, acabou todo mundo dali meio que envolvido, o que foi muito legal. Além da gente ter sido muito bem recebido lá, a gente trouxe para dentro da série muita gente de lá, e isso trouxe muitas camadas para a produção, que ficou muito coesa".

CM: Outro ponto que chama bastante atenção na série é a fotografia. Diferente de outras produções do sertão, aqui vocês fazem muitas tomadas noturnas.

SM: "A gente teve o privilégio de trabalhar com dois grandes diretores de fotografia no show. O primeiro foi o Adrian Teijido, que teve de sair da série duas semanas antes para fazer o 'Ainda Estou Aqui'. Então tivemos que abrir mão dele, mas trouxemos o Rodrigo Carvalho. E um dos pontos mais legais foi descobrir coisas do ambiente em que a gente estava. Tivemos que descobrir como iluminar as coisas. E nas cenas noturnas, nós descobrimos o poder de iluminação das fogueiras. Nós não tínhamos equipamento para iluminar grandes territórios abertos, lugares ermos sem prejudicar a imagem da noite. E aí entraram as fogueiras. Nós queríamos fugir do habitual, então discutimos muito sobre as cores com o Teijido, o figurino. Para mim, especificamente, foi uma aventura maravilhosa, porque sou apaixonado por Westerns. Meus heróis são Sergio Leone, John Ford, Kurosawa, que não é Western, mas tem um brio nos filmes de samurai. Então, eu enquadrava muito pensando nesses grandes planos desses gênios do cinema. Foi uma aventura construída com muitos profissionais incríveis".

TR: "Além dessa luz mais dura, que a gente não tinha como lutar contra, a gente se propôs a sempre fazer uma cena no entardecer. A gente rodava sempre com duas unidades, então ao menos duas cenas com a luz do entardecer a gente fazia. Às vezes, até cenas mais longa para serem feitas em tempo curto".

SM: "É verdade! Faltando meia hora para o entardecer, a gente ensaiava a cena e gravava meio que num plano-sequência para capturar um momento com essa iluminação natural linda".

CM: A série é baseada no livro "Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço", de Adriana Negreiros. Como esse livro chegou até vocês e qual foi o 'estalo' para perceber que essa história poderia render uma série?

SM: Quem me trouxe o livro foi o Wagner Moura. Como a gente é amigo desde a faculdade, ele leu o livro, ficou encantado e falou comigo para a gente tentar tocar o projeto juntos. Só que ele teve outros projetos que não permitiram a ele continuar, então começamos a desenvolver juntos e eu concluí. Me encantou a ideia de contar esse universo pela perspectiva feminina, e comecei a trabalhar também com a ideia da maternidade, com a Maria tendo que optar entre levar aquela vida de aventuras que ela ama ou de sossegar e construir uma família, que ela ama. Na verdade, esses dilemas são muito contemporâneos. A ideia de feminicídio, estupro seguem acontecendo até hoje, envolvendo até jogadores de Seleção Brasileira, sabe? É muito complexo".

TR: "Infelizmente, isso não é uma coisa distante, não é um problema que foi resolvido há 100 anos. As coisas estão muito mais próximas do que a gente pensa. E a possibilidade de jogar uma luz nessas questões é um dos motivos pelos quais fizemos essa série. Trazer um olhar feminino para a Maria, esse olhar especial para dentro do cangaço é o que tem de novo na série. E a gente vai construindo esse imaginário com a camada feminina".

CM: Por fim, pessoal, o que o público pode esperar de 'Maria e o Cangaço'?

SM: "A série tem um lado que vai agradar o público que é fã de Western, assim como eu. Tem tiroteio, combates no sertão. Tem uma reconstituição de época, de ambientes, de figurinos, que é impressionante. Tem esse elenco que me salta os olhos. Tem um roteiro que foi acalentado por anos, trabalhado por quatro roteiristas nordestinos. A gente trabalhou muito a construção dessa história. E acho que um dos aspectos mais interessantes é esse diálogo com o contemporâneo. São questões que aconteceram há 100 anos atrás, mas que continuam muito atuais. Outra coisa bacana é que o trabalho de reconstrução de época foi tão bem-feito que, acho que é no episódio 5, que tem o Bejamin Abrahão [cinegrafista que filmou o bando de Lampião na vida real], a gente mescla imagens do bando real com as do elenco filmadas por nós. E eu desafio quem estiver assistindo a dizer quais cenas trazem o bando real e quais são ficção, porque até nós mesmos da equipe nos confundíamos".

TR: "O universo do cangaço desperta muito a nossa curiosidade. Tem esse apelo por si só. E é uma história brasileira, é um épico. É uma história com paixões, com violências que são pesadas, tem ação, tem a maternidade. É uma série que flerta com vários gêneros".

SM: "E mesmo sendo uma produção de época, flerta com vários clássicos contemporâneos. 'Mad Max', por exemplo, foi uma grande referência para nós na construção estética".

Os episódios de Maria e o Cangaço estão disponíveis no Disney , então já é possível 'maratonar' a série ou assisti-la aos pouquinhos, curtindo cada detalhe e cada atuação.