A exposição “Brasília: da utopia à capital” chega em Marselha, cidade portuária no Sul da França. A Mostra está instalada na Galerie Kolectiv 313 do prédio Kolektiv Cité Radieuse, idealizado por Le Corbusier, arquiteto francês importante no movimento modernista, que teve forte influência para os traços dos arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer na construção de Brasília, cidade que completa 65 anos nesta segunda-feira (21). O evento faz parte do calendário oficial Temporada França- Brasil 2025 e do calendário oficial do aniversário de Brasília da Secretaria de Cultura.
A exposição, que conta a história da construção e resistência do “Quadradinho”, como Brasília é carinhosamente chamada por causa do formato quase retangular do Distrito Federal, circula o mundo desde 2010 e já atraiu mais de 400 mil visitantes. Passou pela Argentina, Chile, Índia, Portugal, Alemanha, Rússia, Reino Unido, Itália, Brasil e França.
Em entrevista exclusiva ao Correio da Manhã, a idealizadora da exposição e curadora, Danielle Athayde, conta que o prédio que abriga a exposição é um dos mais visitados da França. São esperados 30 mil visitantes durante o período. No próximo semestre, a exposição deve fechar a Temporada França-Brasil 2025 em Paris.
O acervo da exposição tem mais de 300 obras, equivalentes a três toneladas com materiais exclusivos. Entre eles, fotos, quadros, documentos, maquetes, esculturas e filmes que refletem a história da capital do Brasi.
Maquete
Antônio José Pereira é responsável pela maquete emblemática que está exposta no Espaço Lúcio Costa, na Praça dos Três Poderes. A maquete original, terminada em 1988, tem 98 painéis, totalizando 169 m². O arquiteto relata que, a pedido de Danielle, projetou uma nova versão para a exposição. Esta, utilizando-se da tecnologia digital com materiais leves para que pudesse ser transportada de um lugar para outro. São 18 módulos, que compõem uma área total de 30m².
“Para o chão da maquete, primeiro selecionamos fotos de satélite. Imprimimos em um material especial importado e colamos em superfícies de PVC para ficar rígido, e aí montamos em chassis. O chão da maquete é essa grande fotografia em mosaico. Já os prédios monumentais e as pontes foram construídas em cima deste chão, com volume e relevo. Para fazer as miniaturas, utilizamos acrílico e máquinas a laser”, explica o arquiteto.
Cartas


Danielle revela que, por onde a exposição passa, cria-se uma nova linha de conexão com o local. Desta vez, o protagonismo é das cartas trocadas entre Lúcio Costa, Oscar Neymeyer e Le Corbusier. As correspondências foram trocadas entre 1930 e 1960. Le Corbusier, inclusive, chegou a se inscrever no concurso para ser o urbanista de Brasília, ocasião em que Lúcio Costa foi selecionado. Mesmo assim, compartilhou seu conhecimento com o brasileiro para contribuir com a construção da capital brasileira.
“A França foi um dos países pioneiros no uso do concreto armado, que se tornou uma característica marcante da arquitetura moderna. Em Brasília, o concreto também se tornou um material fundamental, sendo amplamente utilizado por Niemeyer para criar formas esculturais e fluídas. Isso resultou da influência de projetos de Le Corbusier e de outros arquitetos franceses, especialmente no uso de curvas e superfícies que interagem com a luz”, afirma Danielle.
Ela também destaca a influência na construção das Superquadras de Brasília. Segundo ela, o relato de Corbousier à Costa sobre a ideia do Cité Radieuse, inaugurado em 1936, onde está acontecendo a exposição, influenciou na composição das Superquadras de Brasília. O edifício cria uma ideia de unidade em comunidade, em que um único prédio tem parque, escola e outras funcionalidades para os moradores.
“A mesma ideia aplicou-se nas Superquadras. A diferença é que no Cité Radieuse tudo acontece em um prédio vertical, mas em Brasília, tudo se concentra de forma horizontal. A arquitetura e a ideia de comunidade das Superquadras vêm daí”, explica.
Filmes
A exposição também exibe produções cinematográficas. Desa vez, em dois recortes: as atuações de Juscelino Kubitschek (JK) para levantar Brasília e as marcas de destruição dos atos de 8 de janeiro, em 2023.
Em entrevista, o diretor do filme “JK - O reinventor do Brasil”, Fábio Chateaubriand, relata que JK mudou a história do Brasil. Para ele, quando JK constrói a capital no centro reinventa-se o conceito de nação brasileira e transforma o Brasil em um país moderno.
“Foram mais de dois anos de pesquisa, cerca de 50 mil imagens, que em um primeiro momento resultou um livro foto biográfico. Depois, conseguimos insumos para o filme. Foram mais de 30 entrevistados, 80 horas de filmagem em 10 cidades diferentes do Brasil com mais de 1200 horas de edição. Resolvemos fugir um pouco do padrão originário de documentário com um ritmo de podcast para dialogar com o novo público. Até memes utilizamos”, explica.
Dez dias depois dos atos de 8 de janeiro, a equipe foi à capital para gravar simulações das visitas de JK à capital. “Foi extremamente emocionante e simbólico relatar a construção em um ambiente que estava depredado e destruído”, compartilha o cineasta.
Já o filme “Arte no Caos” relata a reconstrução dos prédios de Brasília após os atos de 8 de janeiro. O diretor, Jimi Figueiredo, explica que quis fazer a metáfora a partir da trajetória de Vik Muniz, que usa lixo para produzir suas obras de arte.
Modernismo
Yara Oliveira é a palestrante brasileira da Conferência Brasília - Marselha, que reúne especialistas para falar sobre as utopias associadas ao urbanismo no século 20. A doutora em arquitetura e urbanismo avalia que Brasília é a seleção mais completa dos princípios urbanísticos modernos da Carta de Atenas, que foi redigida por Le Courbousier e compartilhada com Lúcio Costa.
“Esses princípios estão baseados nas quatro escalas urbanas e são os princípios norteadores do nascimento do Plano Piloto. Esse foi um dos principais pilares quando o Brasil solicita à Unesco o reconhecimento de Brasília como expressão do Patrimônio Cultural da Humanidade”, explica.
Convite
Maxime Forest é co-fundador da Galerie Kolektiv Cité Radieuse. Ao Correio da Manhã, ele conta que a exposição é uma inovação no instituto, que até então trabalhava somente com obras da Europa Oriental e Meridional. O francês relata que conheceu a exposição em 2013, quando estava na sede do Partido Comunista Francês, prédio projetado por Niemeyer em Paris. Mais de dez ano depois, por acaso, ele estava na cidade do Porto, em Portugal, e a exposição também. Foi novamente revê-la, e novamente se impactou.
“Simplesmente deixamos uma nota manuscrita no caderno dos visitantes do evento convidando-os para Marselha. Poucos dias depois, fomos contatados pela curadora e pela produtora local da exposição aceitando o nosso convite”, disse.
França-Brasil 2025
Este ano está acontecendo a Temporada França-Brasil 2025, também chamado de Ano Cultural Brasil- França. O evento foi acordado entre o presidente Lula, e o presidente da França, Emmanuel Macron. Até setembro, mais de 50 cidades francesas receberão atividades culturais brasileiras. À reportagem, a Ministra da Cultura, Margareth Menezes, destaca que o evento reforça a cooperação cultural entre os países.
“Isso fortalece os laços históricos e promove um intercâmbio que beneficia artistas, pesquisadores e toda a sociedade. Também valorizar a diversidade cultural, ao mesmo tempo em que fortalecemos a arte como instrumento de diálogo e desenvolvimento. Meu compromisso à frente do Ministério é justamente expandir essas conexões e facilitar o acesso de mais pessoas a esses intercâmbios”, afirma.
“Ver a história de Brasília apresentada em eventos como este mostra a força criativa do país e a relevância de preservar e difundir nosso Patrimônio Cultural da Humanidade”, continua.
Para Carlos Alfonso Puente, cônsul-geral do Brasil em Marselha, a Temporada é uma oportunidade de diálogo histórico.
“A realização de eventos como a exposição em espaço tão simbólico quanto a Cité Radieuse evidencia não apenas laços duradouros entre os países, mas também a relevância do nosso patrimônio cultural no cenário internacional. Essas temporadas cruzadas são mais do que intercâmbios culturais, são espaços de reconhecimento mútuo, de projeção das nossas histórias e ideias que estimulam a criação contemporânea”, destaca.
Da utopia à exposição internacional
Danielle compartilha que está vivendo um sonho. A idealização do projeto começou em 2008, quando conseguiu uma bolsa de mestrado no Instituto de Investigação Jose Ortga y Gasset em Madrid, na Espanha. Desenvolveu um projeto de pesquisa com foco na construção de uma capital modernista que em apenas 27 anos virou Patrimônio da Humanidade. Percebeu como as pessoas se interessavam pela história e decidiu construir a exposição para apresentar no projeto final em 2010. Depois, conseguiu patrocínios para expandi-la.
“Nesses 15 anos, a gente foi procurando melhorar. A pesquisa de curadoria nunca acaba”, afirma.
“É um sonho. A exposição também fala do meu sentimento. Para mim também era tudo utópico, não imaginava aonde poderia chegar. Concorri com 1500 pessoas da América Latina inteira por uma única bolsa. Consegui, larguei tudo e fui estudar. Mas agora que cheguei, quero levar a história de Brasília para ainda mais longe”, relata.
