Por: Por Pedro Sobreiro

'No fim do caminho, espera-nos um Pai de braços abertos'

Papa Francisco dedicou sua influência para, principalmente, trazer a Igreja novamente para perto do povo | Foto: Cancillería del Ecuador from Ecuador, CC BY-SA 2.0

A passagem do primeiro Papa sul-americano pela Terra chegou ao fim. Morreu, aos 88 anos, Jorge Mario Bergogio, o Papa Francisco. A informação foi confirmada pelo Vaticano às 7h35 (2h35 no horário de Brasília) desta segunda-feira (21).

"Queridos irmãos e irmãs, com profunda dor devo anunciar a morte do nosso Santo Padre Francisco. Às 7h35 desta manhã, o Bispo de Roma Francisco voltou à casa do Pai. Toda sua vida foi dedicada ao serviço do Senhor e da Sua Igreja. Ele nos ensinou a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor universal. De modo especial, a favor dos mais pobres e marginalizados. Com imensa gratidão por seu exemplo de verdadeiro discípulo do Senhor Jesus, recomendamos a alma do Papa Francisco ao infinito amor misericordioso de Deus Uno e Trino", anunciou Kevin Joseph Farrel, Cardeal e Camerlengo da Igreja Romana.

O papado de Francisco deixa um legado eterno de amor, misericórdia, perdão e inclusão. Foi preciso que um sul-americano assumisse o posto de Papa para recordar ao mundo o poder do amor e do perdão. Foram cerca de 12 anos como Bispo de Roma, em que dedicou sua influência para não apenas trazer o povo para perto da Igreja, mas principalmente trazer a Igreja para perto do povo. Ele pediu atenção para os pobres, abriu mão de luxos e pregou o amor e a inclusão como chaves para o fim de conflitos. Em suas viagens oficiais, o Papa se autodefiniu como pecador, visitou comunidades e locais marginalizados, falando sempre com muita humildade e bom humor.

Infelizmente, os últimos meses foram de muita luta para o Santo Padre. No início de fevereiro, o papa foi internado no hospital Agostino Gemelli para tratar de uma crise de bronquite. Porém, foi descoberta uma infecção polimicrobiana, que é causada por diferentes tipos de microrganismos. O quadro se desenvolveu para uma pneumonia bilateral. Ou seja, afetando ambos os pulmões. Após 38 dias internado, porém, o Papa Francisco recebeu alta em 23 de março. E mesmo com a recomendação de repouso e isolamento, Bergoglio buscou forças para manter sua rotina papal e se fazer presente na vida dos fiéis. Fontes do Vaticano relatam que o Papa realmente fez um esforço sobre-humano para ressaltar a importância da semana santa e da Páscoa, o momento que celebra a ressurreição de Jesus Cristo e passa uma mensagem de perdão e recomeço para os fiéis.

Inclusive, sua última mensagem para os fiéis foi justamente no domingo de Páscoa. Na Praça de São Pedro, no Vaticano, Francisco concedeu a Benção Urbi et Orbi, falando especialmente aos líderes do mundo, para "todos os que, no mundo, têm responsabilidades políticas para que não cedam à lógica do medo que fecha, mas usem os recursos disponíveis para ajudar os necessitados, combater a fome e promover iniciativas que favoreçam o desenvolvimento", clamou Francisco.

Ele pregou a favor do desarmamento, clamou pelo fim da violência nas famílias e pediu para que as pessoas voltem a confiar e ter esperança nos irmãos de mundo.

"Quanto desejo de morte vemos todos os dias em tantos conflitos que ocorrem em diferentes partes do mundo! Quanta violência vemos com frequência também nas famílias, dirigida contra as mulheres ou as crianças! Quanto desprezo se sente por vezes em relação aos mais fracos, marginalizados e migrantes! Neste dia, gostaria que voltássemos a ter esperança e confiança nos outros, mesmo naqueles que não nos são próximos ou que vêm de terras distantes com usos, modos de vida, ideias e costumes diferentes dos que nos são familiares, porque somos todos filhos de Deus!", afirmou.

Na Benção, ele também pediu a união dos povos e das religiões, tomando como partido a Páscoa deste ano, que foi celebrada por católicos e ortodoxos no mesmo dia. "Gostaria que voltássemos a ter esperança de que a paz é possível! A partir do Santo Sepulcro, Igreja da Ressurreição, onde este ano a Páscoa é celebrada no mesmo dia por católicos e ortodoxos, se irradie sobre toda a Terra Santa e sobre o mundo inteiro a luz da paz. Sinto-me próximo dos cristãos que sofrem na Palestina e em Israel, bem como do povo israelita e palestiniano. É preocupante o crescente clima de antissemitismo que se está a espalhar por todo o mundo. E, ao mesmo tempo, o meu pensamento dirige-se ao povo, em particular, à comunidade cristã de Gaza, onde o terrível conflito continua a gerar morte e destruição e a provocar uma situação humanitária dramática e ignóbil. Apelo às partes beligerantes que cheguem a um cessar-fogo, que se libertem os reféns e se preste assistência à população faminta, desejosa de um futuro de paz!", disse.

Ele pediu paz para países como Palestina, Israel, Sudão, Iêmen, Sudão, Sudão do Sul, República Democrática do Congo, Sahel, Lagos, Azerbaijão, Armênia, Mianmar e Ucrânia fossem iluminados pela Luz Pascal.

Sua última mensagem foi um desejo de "Feliz Páscoa para todos!".

Quis Deus que a homilia escrita por Francisco para marcar o início da Quaresma - que ele não conseguiu ler, em 5 de março, por conta da internação - falasse justamente sobre a fragilidade da vida e a necessidade da oração. No texto, que ficou conhecido pela definição de sermos 'mendigos do céu', o Papa lembrou ao povo que "no fim do caminho, espera-nos um Pai de braços abertos".

Início inesperado

A escolha de Jorge Bergoglio se deu em um contexto incomum. Em 2013, o Papa Bento XVI renunciou ao papado por conta de sua idade avançada e do grande desgaste físico e mental que o cargo o impunha. Foi a primeira renúncia de um Papa em quase 600 anos. Bento XVI, então, foi nomeado Papa Emérito, e Bergoglio foi escolhido no conclave daquele ano. E o que mais chamou atenção do mundo foi a diferença entre os dois. Bento XVI era representante da ala conservadora da Igreja Católica, enquanto Francisco vinha da ala reformista. E essa vontade de mudar acabou sendo sua grande 'marca'. O primeiro Papa sul-americano da história, e também o primeiro da ordem dos Jesuítas, fez verdadeiras revoluções que aproximaram os católicos e até mesmo os não religiosos da Igreja.

Mudanças históricas

Dentre suas principais mudanças na Igreja Católica, a primeira foi uma das que mais chamou atenção. Francisco instituiu um conselho de cardeais para acompanhá-lo nas tomadas de decisões. Essa descentralização de poder mostrou ao mundo uma de suas principais marcas: a disposição para escutar o próximo.

Ele também abriu as contas do Vaticano, trazendo transparências às finanças, instituiu que a Igreja ouvisse vítimas de possíveis abusos e abriu o Arquivo Secreto do Vaticano, revelando ao mundo segredos históricos, como o fato do Papa Pio XII ter tomado pleno conhecimento da existência e do que acontecia nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.

Dentre as decisões mais controversas ante a ala conservadora, o desincentivo do Papa à celebração das missas em latim, para deixar a palavra mais acessível a todos, foi uma das mais polêmicas. Da mesma forma, Francisco buscou a aproximação com líderes de outras religiões, fazendo visitas e conhecendo tradições. Em sua passagem pela Ásia, em setembro de 2024, o Papa Francisco chocou os conservadores ao reconhecer a importâncias das religiões como ferramenta de paz e por dizer a célebre frase: "Todas as religiões são um caminho para Deus".

Tabus

O Papa Francisco também não fugiu dos tabus. Por vir de um papado conservador, a Igreja Católica passava por um momento de muito apego às tradições, enquanto o mundo mudava ao seu redor. Francisco compreendeu a necessidade da Igreja agir como farol para o novo mundo, então, mesmo sob críticas de parte do Vaticano, deu o pontapé inicial para a inclusão das mulheres no direito ao voto dentro da Igreja. Ele escolheu a freira francesa, irmã Nathalie Becquart, para ser consultora e subsecretária do Sínodo dos Bispos, em 2019. Freira da Congregação de Xavières, Nathalie atuou nas periferias francesas e apontou que a falta de voz das mulheres era um dos motivos pelos quais houve um distanciamento da Igreja do povo.

Apesar de não ter aprovado o matrimônio entre pessoas LGBTQIA , em 2023, Francisco publicou o documento Fiducia supplicans, no qual autorizou padres católicos a abençoarem casais compostos por indivíduos do mesmo sexo. A decisão foi uma das mais progressistas e polêmicas do Santo Padre, mas ainda assim foi vista como um grande gesto de acolhimento em tempos de preconceito.

Do mesmo modo, ele chocou o mundo pelo acolhimento dos divorciados. Entre 2015 e 2016, ele defendeu os divorciados que voltaram a se casar e aqueles que não buscaram novo matrimônio. Na exortação apostólica "Amoris Laetitia" (2016), ele disse que os divorciados não "vivem em pecado mortal" e que "ninguém pode ser condenado para sempre", facilitando o segundo matrimônio para os fiéis. Este foi seu primeiro aceno para a causa, que voltaria à cena em 2023, quando defendeu que divorciados que desejassem casar-se novamente, mesmo sem manter a "continência sexual" exigida, permitindo a concessão de sacramentos a estes indivíduos. O mais interessante é que mesmo causando polêmica, este tema foi apenas retomado por Francisco. Quem deu início a esse debate foi o Santo João Paulo II, na exortação apostólica "Familiaris consortio", de 1981.