Por: Por Marcelo Perillier e Barros Miranda

Papa Francisco deixa um grande legado para o próximo pontífice seguir

Papa Francisco | Foto: Brazil Photo Press/Folhapress

As reformas internas que o argentino Mário Jorge Bergoglio, o Papa Francisco, fez vão ser um entrave para a escolha do próximo pontífice. Talvez o filme "Conclave" tenha sido um prenúncio de como será o próximo, com as escolhas entre a tradição e a modernidade, podendo cair num nome que aglutina tudo isso. Nunca é tarde para lembrar que existe a velha tradição: "quem entra papa no conclave, normalmente sai cardeal".

Francisco esperou a Páscoa, uma grande festa cristã, da morte e ressurreição de Cristo, para celebrar com os fiéis. Ele pegou uma igreja morta, com adeptos sendo perdidos, e fez renascer o gosto pelo cristianismo. A Jornada Mundial da Juventude no Rio foi um marco. Conseguiu por mais gente em Copacabana do que muitos artistas. Fez das areias o primeiro grande legado de seu papado e da praia a alegria de que a Curia estava renascendo.

Deu voz para as minorias e fez o diálogo para muitos povos sua marca. Combateu a intolerância e a violência com vigor. Fez o que muitos talvez não iriam fazer, como visitar Afeganistão e Iraque, permitir que homossexuais pudessem receber benção e lava pés com mulheres. Afinal, na cabeça de Francisco, todos são católicos e merecem ser tratados como tal. E isso que fez seu papado de 13 anos ser especial, como será um entrave para a escolha do próximo, pois não poderá refazer tudo que ele fez e tentará levar adiante suas reformas na Curia.

Papa de Videla

Da mesma forma que Pacelli fora intitulado como o Papa de Hitler, Bergoglio recebeu o título de Papa de Videla, numa alusão pelo seu "silêncio" na ditadura Argentina. Contudo, assim como Pacelli, Bergoglio fez seu trabalho de proteger os fiéis e aqueles que eram contra Videla dos horrores que o ditador fez.

A proteção de Bergoglio fez até ele ser intitulado como um sacerdote comunista e contra o princípios legais argentinos. Tanto que foi até torturado pelos guardas de Videla.

Sobreviveu e, assim como Pacelli, teve a verdade revelada e que, trabalhou silenciosamente e por debaixo dos panos, contra as atrocidades feitas pelos membros e adeptos da ditadura de Videla.

Paixão pelo futebol

Francisco nunca escondeu sua paixão pelo futebol e pelo seu clube de coração: San Lorenzo de Almagro. Não por menos, no seu primeiro ano de pontificado o clube venceu a Libertadores da América.

O clube era o único grande da Argentina que não tinha um título continental e foi com a benção de seu grande sócio que conquistou a tão sonhada taça.

Em nota, o clube fez uma grande manifestação de solidariedade pela norte do pontífice

"Nunca foi mais um e sempre foi um dos nossos. Corvo de menino e de homem... Corvo como sacerdote e cardeal... Corvo também como Papa... Sempre transmitiu sua paixão pelo Ciclón: quando ia ao Velho Gasômetro ver a equipe de 46, quando confirmava Angelito Correa na capela da Cidade Desportiva, quando recebia as visitas azulgranas no Vaticano sempre com felicidade total... Sócio número 88235. De Jorge Mario Bergoglio para Francisco, houve algo que nunca mudou: o seu amor pelo Ciclón. Envolvidos em profunda dor, o San Lorenzo diz hoje a Francisco: Adeus, obrigado e até sempre! Estaremos juntos para a eternidade!"

 

'Sempre ouvi dizer que os cariocas não gostam de frio e chuva, mas vocês estão mostrando que a fé de vocês é mais forte que o frio e a chuva'

Seu primeiro ato no Brasil foi visitar o Santuário Nacional de Aparecida, no interior de São Paulo | Foto: Eduardo Knapp/Folhapress

Tudo começou no Brasil

O Papa Francisco será lembrado também como um homem que lutou pela juventude e pela reaproximação da Igreja dos jovens. E sua jornada internacional começou justamente no Brasil, com a Jornada Mundial da Juventude, que trouxe fiéis do mundo inteiro para o Rio de Janeiro, em 2013.

Em sua passagem pelo Brasil, o Papa Francisco reuniu mais de 3,7 milhões de pessoas na Cidade Maravilhosa entre 22 e 28 de julho de 2013. Na época, o Rio vivia uma forte frente fria, o que fez com que as missas, programadas para Guaratiba, fossem transferidas para a praia de Copacabana. Em seu discurso inaugural, ele brincou com a paixão brasileira pelo calor e disse ver o rosto de Jesus na multidão de jovens que lá estava.

"Sempre ouvi dizer que os cariocas não gostam de frio e chuva, mas vocês estão mostrando que a fé de vocês é mais forte que o frio e a chuva. Parabéns! Vejo em vocês a beleza do rosto jovem de Cristo, e meu coração se enche de alegria!", disse.

Na época, o catolicismo passava por uma grande queda no número de fiéis no Brasil, que ainda era considerado o maior país católico do mundo. Diante desse cenário complexo, o Papa Francisco deixou sua primeira mensagem para o Brasil e o mundo, ressaltando a necessidade da fé, da esperança e do amor.

"Digo a cada um e a cada uma de vocês: 'bote fé' e a vida terá um sabor novo, a vida terá uma bússola que indica a direção; 'bote esperança' e todos os seus dias serão iluminados e o seu horizonte já não será escuro, mas luminoso; 'bote amor' e a sua existência será como uma casa construída sobre a rocha, o seu caminho será alegre, porque encontrará muitos amigos que caminham com você", afirmou.

Antes de comandar a JMJ, Francisco visitou o Santuário de Aparecida do Norte, no interior de São Paulo. Na chegada ao Rio de Janeiro, ele dispensou carros de luxo e adotou um Fiat para ser transportado. Em uma brecha na segurança, em plena Avenida Presidente Vargas, ele ficou preso no trânsito e foi cercado por fiéis. Ele abriu a janela do veículo e atendeu os fiéis, abençoando bebês e crianças, e mandando mensagens de positividade. Ele também visitou o Hospital São Francisco de Assis na Providência de Deus, na Tijuca, além de visitar a comunidade de Varginha, em Manguinhos, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Ele também participou de vigílias de oração com jovens, falou com governantes, voluntários e líderes da Igreja local, além da Via Sacra com a juventude e a Santa Missa na Praia de Copacabana.

Foi em solo brasileiro que o Papa Francisco afirmou ao mundo que seu papado seria voltado para os jovens.

De Jorge a Francisco

Nascido em 17 de dezembro de 1936, em Buenos Aires, Mario Jorge Bergoglio se formou em Química na Universidade de Buenos Aires, e foi professor de literatura e psicologia em Santa Fé, na Argentina. Ele foi ordenado sacerdote em 1969, liderando a congregação jesuíta da região até 1979. Jorge assumiu a reitoria da Faculdade de Filosofia e Teologia de San Miguel em 1980, ficando até 1986. Em 1992, foi nomeado bispo de Auca e bispo auxiliar de Buenos Aires. Seu jeitão jovial e carismático fez dele um líder muito querido e popular na Argentina. Sua ordem Jesuíta trouxe uma ideologia de humildade e doação. Em 1997, ele chegou ao título de Arcebispo titular de Buenos Aires, sendo nomeado pelo próprio Santo João Paulo II, na época, ainda Papa, cardeal e recebeu o título de Arcebispo Primaz da Argentina, o cargo mais importante do país.

Em 2013, diante das crises do escândalo de pedofilia na Igreja Católica pelo mundo, ele foi escolhido para substituir Bento XVI, o Papa Emérito, com a missão de recuperar a credibilidade da Igreja no planeta. À imprensa, Jorge revelou que escolheu o nome Francisco em conversa com o cardeal Dom Cláudio Hummes, do Brasil. O brasileiro abraçou o amigo argentino assim que foi escolhido Papa e pediu para que ele não se esquecesse dos pobres. Com estas palavras, ele pensou em São Francisco de Asis e seu apelo pela paz e pelos necessitados. Com isso, seu lema oficial foi "Olhou-o com misericórdia e o escolheu".

Saúde frágil

Apesar de seu empenho, o Papa Francisco conviveu com graves problemas de saúde durante o papado. Ele foi eleito Papa aos 76 anos de idade. Em julho de 2021, ele foi internado por 10 dias no hospital Gemelli, em Roma, para uma cirurgia de estreitamento do intestino grosso. Em maio de 2022, ele chocou o mundo ao aparecer de cadeira de rodas. Por conta de uma osteoartrite, ele sofreu com desgaste das cartilagens nas articulações e teve problemas ligamentares. Em janeiro de 2023, ele voltou a sofrer com problemas intestinais em decorrência da cirurgia de 2021, dando início a seu ano mais complicado. Entre março e abril de 2023, ele ficou internado por um caso de bronquite aguda. Em junho, ele passaria por nova internação para uma cirurgia abdominal. Em dezembro daquele ano, ele voltaria a sofrer com a dificuldade para respirar devido à bronquite. Isso fez com que ele cancelasse a viagem à COP28, em Dubai.

O ano de 2024 ficou marcado por um grande hematoma no queixo, oriundo de uma queda que sofreu, batendo o rosto na mesinha de cabeceira. Em janeiro de 2025, Francisco sofreu nova queda e lesionou o antebraço direito, que ficou imobilizado. Em 6 de fevereiro deste ano, o Papa foi internado novamente no hospital Gemelli para tratar um quadro de bronquite. Em 17 de fevereiro, foi revelado que o quadro evoluiu para uma infecção polimicrobiana. Ele chegou a utilizar respiradores externos, mas recebeu alta em 23 de março.

Caso antigo

Os problemas respiratórios de Francisco vêm desde 1957, quando ele sofreu uma infecção respiratória gravíssima na Argentina. Então com 20 anos, o jovem passou por uma cirurgia para remoção de parte de um dos pulmões.

Fraternidade

Em texto, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) definiu o papado de Francisco com a palavra "fraternidade". E esse amor, essa atitude de abrir mão em prol do próximo será eternamente lembrada não apenas pelos católicos, mas por toda a história.