A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets deve recomendar, em seu relatório final, um modelo de regulação mais robusto para o setor de apostas esportivas no Brasil. A proposta incluirá regras, punições severas e mecanismos de fiscalização. A informação foi antecipada pela relatora do colegiado, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), em entrevista ao Correio da Manhã.
Segundo a parlamentar, a portaria publicada pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA/MF) representou um avanço inicial, mas ainda é insuficiente diante da rápida expansão do mercado. “É necessário ir além. A CPI tem justamente esse papel: identificar as lacunas do modelo atual e propor ajustes que melhorem a legislação. Queremos uma regulação que funcione de verdade, proteja o consumidor, coíba abusos e traga mais credibilidade ao sistema”, afirmou Thronicke.
“O Legislativo precisa liderar esse debate. As portarias do Executivo podem ser úteis, mas não substituem o processo legislativo, que garante participação social, transparência e segurança jurídica. Além disso, é fundamental enfrentar a questão da publicidade descontrolada das bets, que está em toda parte e precisa ser regulamentada com responsabilidade. O que defendemos é uma regulação firme e justa”, prosseguiu.
Prorrogação
Com prazo de encerramento previsto para 30 de abril, a CPI deverá ser prorrogada por mais 45 dias, a fim de garantir a continuidade dos trabalhos com a profundidade necessária. A relatora revelou que a análise dos documentos já revelou indícios de irregularidades envolvendo pessoas diretamente ligadas ao setor de apostas e, embora a comissão não possua o poder de responsabilizar criminalmente os envolvidos, têm o dever de apontar esses indícios e encaminhá-los às autoridades competentes.
As investigações também miram influenciadores que promovem empresas irregulares, muitas vezes atingindo públicos vulneráveis, como jovens e famílias de baixa renda. Paralelamente, a CPI estuda os impactos das apostas online na saúde mental e financeira da população brasileira.
Influenciadores
Entre os principais desafios enfrentados pelo colegiado está a resistência de influenciadores digitais e representantes do setor de apostas, que vêm acionando a Justiça para evitar convocações às oitivas. Foram nove nomes de criadores de conteúdo aprovados para depor, entre eles: Deolane Bezerra dos Santos, o humorista Everson de Brito Silva (conhecido como Tirulipa) e Gessica Kayane Rocha de Vasconcelos (conhecida como Gkay).
Na última reunião da comissão, realizada na terça-feira (22), o delegado Lucimério Barros Campos revelou que algumas plataformas de apostas utilizam práticas enganosas para atrair jogadores. De acordo com o delegado, vídeos disseminados nas redes sociais simulam ganhos por meio de contas falsas fornecidas a influenciadores — conhecidas como “contas demo”.
“O apostador, para jogar, precisa baixar um aplicativo. Para os influenciadores, era fornecida uma conta real com link para atrair apostadores, mas também uma conta simulada, onde gravavam ganhos irreais. Tudo engodo”, denunciou Lucimério.
Lucimério defendeu ainda a regulamentação da publicidade das casas de apostas legalizadas, que investem milhões em campanhas com celebridades — muitas vezes, sem a devida transparência. “As apostas ilegais estão explorando as pessoas com promessas falsas de prêmios. É preciso regular também a forma como essas plataformas se anunciam”, concluiu.
No início do mês, o secretário-executivo do Banco Central, Rogério Antônio Lucca, informou à CPI que o volume mensal de apostas no Brasil, em 2025, varia entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões. A audiência também contou com a presença do presidente do BC, Gabriel Galípolo, que afirmou que a autoridade monetária não tem competência legal para supervisionar ou impor sanções sobre transações envolvendo apostas de quota fixa.
Vício
Esse volume também se reflete no aumento da procura por tratamento. À reportagem, o psicólogo Jayme Pinheiro Rabelo explicou que, nos últimos três anos, a incidência de pessoas que desenvolvem problemas, perdas e patologias cresceu junto com o aumento de propagandas veiculadas por influenciadores e celebridades.
“A questão maior é que a internet torna tudo muito mais massivo e com acesso muito mais facilitado. Antes, jogar no bicho era algo clandestino. Você tinha que procurar alguém numa esquina, saber no bairro, etc. Era uma mobilização muito maior”, afirmou o psicólogo.
Na avaliação do especialista, o vício, de forma geral, é um problema multissistêmico que precisa ser combatido com regulação e, sobretudo, com educação. “Posso perder a qualidade do vínculo com minha família, com pessoas próximas, por ter causado prejuízos, ou por só falar desse assunto, ou ainda por tentar mobilizá-las para isso. Há também consequências financeiras, pois às vezes gasto mais do que posso. Tudo isso impacta diretamente nossa saúde mental. A segurança social, a pobreza, a miséria, a perda da capacidade de subsistência — tudo isso também afeta diretamente a saúde mental”, exemplificou.
Omissão
Nesta quarta-feira (23), a Comissão de Esportes do Senado realizou uma audiência pública para debater dois projetos de lei que proíbem a publicidade de apostas de quota fixa. Um dos projetos (PL 2985/2023) é relatado pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ), que defendeu a necessidade de disciplinar o setor por meio da definição de faixas de horário para a veiculação dos anúncios e da proibição dessas publicidades nas redes sociais.
O parlamentar acusou o governo federal de omissão quanto à regulamentação do tema. “Tiveram um ano para preparar a regulamentação sobre publicidade e, durante esse ano, pouco fizeram — para não dizer nada. O que estamos vendo é uma publicidade absolutamente predatória, massiva, prejudicando inclusive a concorrência entre as casas de apostas”, criticou.