Por: Isabel Dourado

COP30 será teste decisivo para liderança ambiental do Brasil

Helder e Lula: aposta na COP30 como marco ambiental gera diversos desafios | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Faltando menos de 200 dias para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30, que será realizada em Belém (PA), o Brasil intensifica seus esforços diplomáticos para tornar o evento um marco na política climática global. A escolha da Amazônia como sede destaca o papel fundamental do bioma na regulação do clima. Ao sediar a conferência, o país busca reafirmar o protagonismo nas negociações ambientais, alinhando a preservação dos biomas ao enfrentamento da crise climática.

Nesse contexto, a COP30 tem sido vista como uma oportunidade estratégica para o governo Lula mostrar os resultados alcançados até agora na área ambiental e climática. Mas sediar o evento implica uma série de desafios.

Papel crucial

Desde o estabelecimento do Acordo de Paris, em 2015, na COP21, o cenário climático tem sido caracterizado por avanços lentos. Apesar de alguns países terem estabelecido metas ambiciosas para atingir a neutralidade de carbono, a execução desses compromissos climáticos tem sido constantemente postergada. Em 2017, os Estados Unidos, segundo maior emissor de gases de efeito estufa, anunciou a retirada do Acordo, destacando uma ruptura com o compromisso global.

Diante das dificuldades para construir entendimentos entre os países para lidar com a urgência da crise climática, o Brasil, que será o anfitrião da COP30, enfrenta um desafio ainda maior. Especialistas apontam que o país precisa não só reafirmar sua posição no cenário global, mas também demonstrar sua capacidade de liderança, apresentando resultados concretos em áreas fundamentais como o combate ao desmatamento, os esforços para a transição energética, a redução das emissões de gases de efeito estufa e a proteção dos povos indígenas. Assim, a realização da COP30 em Belém coloca o país em um momento decisivo, onde a ação efetiva será crucial para recuperar a confiança internacional e avançar nas metas climáticas.

O climatologista Carlos Nobre – que integrou o grupo de pesquisadores vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2007 com o quarto relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), aponta que a COP30 precisará ser muito mais rigorosa e ambiciosa em relação às metas de redução de emissões de gases do efeito estufa. Nobre ressalta que as metas estabelecidas no Acordo de Paris, que preveem limitar o aquecimento a 1,5°C até 2050, já são arriscadas e podem não ser suficientes para evitar um aumento de 2,5°C até o final do século

“A COP30, que ocorrerá no Brasil, será a mais desafiadora. Precisaremos de um acordo muito mais ambicioso e imediato para evitar um aumento de temperatura tão significativo. Se continuarmos com as metas de 2015, como foram definidas no Acordo de Paris, a ciência poderá indicar que, até lá, já teremos alcançado 1,5°C, e se isso ocorrer, não seremos capazes de evitar um aquecimento de 2,5°C.”

Desmatamento

O professor Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em mudanças climáticas globais, afirma que a redução do desmatamento é um passo importante para o cumprimento das metas de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), — elemento central no enfrentamento da crise climática.

Segundo Artaxo, embora tenha ocorrido uma redução do desmatamento no bioma da Amazônia em 2023 e em 2024, os esforços ainda são insuficientes diante da urgência da situação. “A redução do desmatamento na Amazônia ainda foi insuficiente, considerando o que realmente precisa ser feito, além disso houve um aumento do desmatamento e das queimadas, tanto no Cerrado quanto no Pantanal. O que se observa é que o problema não é responsabilidade exclusiva do governo.”

Para que o Brasil consiga cumprir sua promessa de eliminar o desmatamento na Amazônia até 2030 — compromisso firmado no Acordo de Paris —, Artaxo defende a necessidade de uma atuação integrada e coordenada entre todas as esferas de poder. Na avaliação dele, somente por meio desse esforço conjunto será possível avançar de forma efetiva na agenda climática e na proteção dos ecossistemas brasileiros. “É importante compreender que essa não é uma responsabilidade exclusiva do governo federal. Trata-se de uma tarefa coletiva, que demanda o envolvimento ativo do Judiciário, do Legislativo, dos governos estaduais e municipais.”

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, tem declarado que a conferência será um ponto de inflexão na agenda climática global. Marina explicou que a COP30 representará a fase de execução das decisões tomadas ao longo dos últimos 33 anos de negociações que vêm sendo feitas nas conferências. Ela tem defendido que o sucesso da COP em Belém dependerá do comprometimento das 196 nações participantes em apresentar Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) mais robustas para a redução das emissões de gases de efeito estufa, que devem ser entregues até setembro, um mês antes da conferência.

Pior saneamento

Enquanto o mundo enfrenta os impactos do aumento da temperatura global, com eventos climáticos extremos se tornando cada vez mais intensos e frequentes, com ondas de calor, secas e tempestades, a situação na cidade-sede da COP30 é considerada preocupante. De acordo com a 16ª edição do Ranking do Saneamento, do Instituto Trata Brasil (ITB), em parceria com a GO Associados, Belém aparece entre os 20 piores municípios do ranking do saneamento de 2024. O levantamento mostrou ainda que a capital do Pará tratou menos de 5% do esgoto coletado.

Na avaliação do Antropólogo e pesquisador do Laboratório de Sociabilidades, Diferenças e Desigualdades da Universidade de Brasília (UnB), Ronaldo Trindade, o baixo índice de saneamento evidencia um déficit histórico na infraestrutura do estado. “O governo local, tanto a prefeitura quanto o governo do estado, parecem estar ‘maquiando’ a cidade para este grande evento. No entanto, a questão central é que a realização da COP30 provavelmente acarretará custos elevados para a população de Belém e do Pará de maneira geral”, criticou Trindade.

Para além do problema do saneamento básico, Belém foi a segunda cidade brasileira com mais dias de calor extremo em 2024, segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Ainda de acordo com um estudo da ONG internacional CarbonPlan, em parceria com o jornal americano The Washington Post, divulgado em 2023, Belém será o segundo centro urbano mais quente do mundo até 2050.

“A resposta somos nós”

Lideranças indígenas também têm articulado maior participação na Conferência, inclusive por meio de uma copresidência indígena, como forma de assegurar que suas vozes — historicamente silenciadas — sejam ouvidas nas decisões que afetam diretamente seus territórios e modos de vida.

O líder indígena e membro da Coordenação da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Beto Marubo, defende que a participação dos povos indígenas nas negociações oficiais da COP30 é essencial. Segundo ele, é necessário que os povos originários estejam nos espaços de decisão onde as políticas climáticas são definidas.

“Acreditamos que os povos indígenas têm muito a contribuir com as discussões sobre mudanças climáticas. Nossas terras são, hoje, um dos maiores trunfos do Brasil — tanto político quanto econômico —, pois apresentam, os menores indicadores de desmatamento, especialmente se comparadas a outras reservas geridas por órgãos como o ICMBio e o Ibama. Os indígenas não apenas têm contribuído para a proteção ambiental, como também podem ajudar a construir as decisões que definirão o futuro da humanidade — e, é claro, o futuro dos povos indígenas.”