Avanço de acordo UE-Mercosul esbarra em projetos do Congresso

Avanço de acordo UE-Mercosul esbarra em projetos do Congresso

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Anunciado como primeira grande vitória internacional do presidente Jair Bolsonaro (PL), o acordo entre União Europeia e Mercosul ganhou nova articulação para tentar agilizar o processo de ratificação no bloco europeu. Propostas no Congresso vistas como nocivas ao meio ambiente, no entanto, colocam em risco esse novo esforço.

O acordo foi selado em junho de 2019, após mais de duas décadas de negociações e com Bolsonaro há apenas seis meses à frente do Palácio do Planalto. O texto acordado prevê que mais de 90% das exportações do Mercosul para os países do grupo terão tarifas zeradas em até dez anos.

Para entrar em vigor, porém, precisa ser ratificado pelos parlamentos de UE e Mercosul e também pelos dos países-membros dos dois blocos. Ao longo do governo Bolsonaro, a euforia pela assinatura do acordo foi, aos poucos, dando lugar a críticas dos europeus, direcionadas em sua maior parte à política ambiental do governo brasileiro.

Após um período na geladeira, defensores do acordo passaram a enxergar uma nova janela de oportunidade com o desfecho das eleições na França. Pessoas que acompanham o processo lembram que o presidente reeleito, Emmanuel Macron, deixou o tema de lado durante a disputa eleitoral para evitar desgaste político, uma vez que há resistência ao acordo por parte dos sindicatos franceses.

Interlocutores no Ministério das Relações Exteriores do Brasil veem uma movimentação recente na Europa para avançar a partir de agora o chamado "split". Esse mecanismo, na prática, é a divisão do acordo entre UE e Mercosul.

Nesse formato, a parte comercial pode vir a ser ratificada apenas pelo parlamento europeu e não por todos os países do bloco.

Já os temas sobre sustentabilidade e governança ficariam para um segundo momento.
Procurada pela Folha nas últimas duas semanas, a delegação da União Europeia em Brasília não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Ao mesmo tempo que há esforço para destravar a ratificação do acordo, aumentou também a preocupação por parte de especialistas, ambientalistas e políticos europeus a respeito do avanço na Câmara dos Deputados do projeto de lei que permite atividades de mineração em terras indígenas.

Além disso, há grande pressão da bancada ruralista para a votação das propostas que flexibilizam o uso de agrotóxicos, que permitem a regularização fundiária de terras invadidas e que diminuem a rigidez da legislação sobre licenciamento ambiental -as três já estão no Senado.

"Na questão do uso de defensivos agrícolas, há uma pressão muito grande. E [o defensivo] está quase deixando de ser usado lá fora em função do tempo e dos princípios ativos, e só agora que vamos começar a usar. Então não vejo por que Alemanha usar, Estados Unidos usar e a gente não poder usar. Lá tem 10 anos e aqui ainda falta regulamentar", afirma o senador Zequinha Marinho (PL-PA).

"Então não vejo resistência [da União Europeia] em função disso. Claro que a gente está brigando não só por uma questão de regulamentação, é uma questão comercial acima de tudo. O problema aí é puramente mercado e, quando entra mercado, você sabe que todo mundo joga da forma que melhor convier."

A Frente Parlamentar Agropecuária teve uma reunião na quarta-feira com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para buscar agilizar a tramitação desses projetos de seu interesse.

Uma semana antes, no entanto, o próprio Pacheco havia participado de reunião com embaixadores europeus, na sede da delegação da União Europeia. O presidente do Senado foi justamente questionado sobre o avanço dessa pauta.

Pacheco respondeu que todos esses projetos "estão tendo a cadência necessária" e tramitam "sem precocidade, sem atropelos".

"Estamos estudando e avaliando qual é o ponto de equilíbrio em relação a cada um desses projetos, que possa fazer conciliar o desenvolvimento econômico do Brasil, a sua pujança econômica, sobretudo no agronegócio e na indústria, com a preservação do meio ambiente", disse aos embaixadores.

A preocupação com os projetos no Congresso Nacional se soma a uma resistência política à figura do presidente Jair Bolsonaro e sua política ambiental. Nesse cenário, uma das apostas é a derrota do presidente em outubro e a consequente negociação com o próximo chefe do executivo.

"É um conjunto [fator Bolsonaro com a polêmica pauta do Congresso]", afirma o eurodeputado Miguel Urbán, que esteve em Brasília a convite da deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS).

"O problema é que Bolsonaro também passou a ser visto como um criminoso em relação à população indígena, como um genocida, como um 'ecocida'. O problema é a credibilidade do governo", completa.

Urbán havia apresentado um questionamento para a presidência da Comissão Europeia sobre qual seria a posição da instituição especificamente sobre o projeto de lei do novo licenciamento ambiental. Segundo ele, a resposta do vice-presidente Valdis Dombrovskis foi no sentido de que esse tema poderia colocar em risco a ratificação do acordo - por ferir questões de comércio.

Melchionna avalia que, "além da forma criminosa que Bolsonaro tratou a pandemia, a devastação ambiental no Brasil também teve repercussão internacional."

"Projetos como o do autolicenciamento e os ataques a terras indígenas têm amplo rechaço e solidariedade de movimentos ambientais internacionais. O eurodeputado Miguel Urbán tem sido um porta-voz dessas denúncias no Parlamento Europeu", afirma.

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil afirmou que os países do Mercosul levam em conta a relevância dos temas agrícolas e ambientais para a viabilização do acordo comercial, junto às instituições europeias e parlamentos nacionais e regionais.

A pasta argumenta que houve grande entendimento por parte dos negociadores europeus de que o acordo se trata do mais avançado capítulo já negociado pela União Europeia sobre comércio e desenvolvimento sustentável. Mesmo assim, completa, o Mercosul concordou em negociar documento adicional com mais compromissos.

"Para o Brasil, o documento deve ser de aplicação recíproca, não deve implicar a reabertura do acordo ou afetar o equilíbrio das concessões nele alcançadas, e não deve contemplar a possibilidade de sanções, possibilidade em desacordo com o tratamento multilateral dispensado ao tema e com a abrangência dos compromissos refletidos na negociação do capítulo", afirma em nota.

O Itamaraty ainda afirma que a ratificação geraria uma série de externalidades positivas, como o "incremento da qualidade de vida e das condições econômicas, bem como, consequentemente, maior proteção ambiental, já que a pobreza é um vetor importante da destruição do meio ambiente".