“O Fluminense é o único time tricolor do mundo. O resto são só times de três cores”. De fato, ser Fluminense é algo mágico, que ninguém consegue explicar. E escritor Nelson Rodrigues já profetizava, anos atrás: “Se queres saber o futuro do Fluminense, olhai para o seu passado. A história Tricolor traduz a predestinação para a Glória”. E quis o destino que fosse para a Eterna, em 4 de novembro de 2023. Depois de 15 anos de luta, o torcedor pode tirar o grito da garanta, os fantasmas de 2008 e, finalmente, dizer que conquistou a Copa Libertadores.
“Soy loco por ti América”, assim escreveu Caetano Veloso. E o Fluminense ficou louco para tê-la e por seu escudo no emblemático troféu. O trabalho, de mais de um ano, deu o resultado esperado. Desde a eliminação para o Olímpia, do Paraguai, em 2022, na pré-libertadores daquele ano, o elenco e a diretoria se prepararam em busca da redenção, provando que planejamento a longo prazo existe no futebol brasileiro. Basta querer fazer.
A campanha
Uma primeira fase complicada, em grupo considerado ser o “da morte” para alguns. Conseguiu uma vitória fora de casa contra o Sporting Cristal, no Peru; um magro 1 a 0 contra o The Strongest, da Bolívia, no Maracanã; e um chocolate de 5 a 1 contra o River Plate, da Argentina. Primeiro terço com 100% de aproveitamento, 9 pontos, liderança isolada. Veio o returno, contusões e uma oscilação. Derrota na altitude boliviana e massacre do River em solo argentino. Classificação em risco. Última rodada no Maracanã, contra os peruanos. Um empate na conta do chá. Dez pontos e vagas nas oitavas carimbada.
Um sorteio de tirar o fôlego, podendo pegar o Flamengo logo na primeira fase do mata-mata. Mas veio o Argentino Juniors. Um empate primoroso na Argentina e uma vitória suada de 2 a 0 no Maracanã, com brilho de Samuel Xavier em ambos os jogos. Nas quartas, um duelo contra o Olímpia. Era a revanche da eliminação de 2022. Vantagem feita no Rio e uma escalação surpresa de Fernando Diniz no Paraguai, lançando o time quase para o campo de ataque, fazendo um 3 a 1 incontestável, para começar a exorcizar fantasmas.
Na semifinal contra o Internacional o brilho de uma dupla: German Cano e John Kennedy. Um experiente argentino de 34 anos e uma promessa de Xerém de 20 e poucos. Um empate nos últimos instantes, com um homem a menos, no Maracanã e a decisão indo para o mundão do Beira-Rio, no Rio Grande do Sul. Os gaúchos abrem o placar e a torcida empurra os Colorados. Enner Valencia, a grande contratação do Inter no meio da temporada, perde gols incríveis. E, como diz o velho ditado do futebol: “Quem não faz, leva”. Cano e JK, com cada um marcando um tento, conseguem provar ser uma dupla de primeira. Virada histórica no Sul e vaga na final carimbada.
A final
Não foi a final brasileira que muitos esperavam. O todo poderoso Palmeiras não soube furar a catimba argentina do Boca Juniors e perdeu, nos pênaltis, em São Paulo, a classificação para a final no Maracanã.
Um duelo Brasil e Argentina na maior competição continental de clubes da América do Sul, mais uma vez, no Maracanã. Mas, desta vez, com um toque especial. Com uma torcida encarnada, vestindo o verde da esperança, querendo paz fora de campo.
Durante semanas, as provocações e rixas quase tiraram (ou chegaram a ameaçar) a final em solo carioca. Era uma prova de que o grande Sobrenatural de Almeida estava agindo em prol do Fluminense. O lema “contra tudo e contra todos” nunca ficou explícito como neste pré-jogo.
Um sábado nublado, com possibilidade de chuva, mas nada de pingos. São João de Deus não permitiu que o campo ficasse pesado, para favorecer o Tricolor das Laranjeiras. Começa a partida e, logo de cara, percebia que era um xadrez em campo. E o grande estrategista Fernando Diniz dá as cartas, jogando os velocistas Árias e Keno do mesmo lado, para confundir a marcação posicional do Boca. Gol de Cano, para fazer o título inédito ficar mais possível.
Veio a segunda etapa e o time ficou mais acuado, esperando o adversário. E o Boca cresceu, agigantou-se. Fez a calada torcida gritar e apoiar, até, numa falha de posicionamento da defesa do Fluminense, junto com a categoria do chute de Advíncula, o empate argentino. Era tudo que eles queriam, para levar o duelo para os pênaltis. Só que tinha a prorrogação antes e a dupla Cano e JK em campo. Mais uma vez, Sobrenatural de Almeida e João de Deus fizeram o dever de casa. Gol da joia de Xerem, que, na comemoração efusiva, foi expulso.
Vinte minutos de tensão até tirar os fantasmas, o grito de campeão da garganta e entregar a taça para coroar esse trabalho histórico. E quando o árbitro colombiano Wilmar Roldan, que teve uma atuação contestada pela falta de pulso nas faltas, pegou a bola e apitou aos 122 minutos do segundo tempo da prorrogação, estava selada a placa do Fluminense Football Club no troféu da Libertadores, no último espaço que faltava para fechar a base.
Era para ser, pois como descreveu Nelson Rodrigues: “O Fluminense nasceu com a vocação da eternidade. Tudo pode passar, só o tricolor não passará jamais”. E desta vez não passou para, finalmente, entrar para eternidade da glória de vencer a América.