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Cheiros com algo a dizer

Numa instalação criada para o Pátio dos Canhões, os visitantes podem sentir diferentes cheiros e aromas através dos canos dos antigos armamentos | Foto: Divulgação

Grande parte das exposições mexe e aguça sentidos como a cisão, o tato e a audição, mas nem todas trabalham com as sensações oriundas do olfato. Reaberto após a pandemia, o Museu Histórico Nacional abriga instalação olfativa da premiada artista Josely Carvalho. Criada especialmente para o local, a exposição tem como finalidade contar a história através dos cheiros, das sensações e lembranças que os odores nos remetem.

Invisível aos olhos, a instalação pode ser sentida por nossas vias nasais nos canhões datados entre os séculos XVI e XX que integram o cenário do charmoso museu localizado no Largo da Misericórdia cujo prédio já foi banhado pelas águas da Baía de Guanabara antes dos aterros feitos na antiga Ponta do Calabouço.

Para o canhão mais antigo do museu, datado do século XVI e pelo qual os historiadores têm um grande apreço, a artista criou o cheiro "Afeto", com uma fragrância agradável, com notas adocicadas, que lembram momentos familiares e de infância. Para os canhões que participaram de guerras, o cheiro "medo", que traz um odor salgado, de transpiração e urina.

O canhão da época de Getúlio Vargas, que foi feito com tubo de esgoto, ganhou o cheiro da árvore Abricó de Macaco, que tem lindas e perfumadas flores, mas, o seu fruto denominado "bola de canhão" ao cair no chão, exala um odor que é pútrido. Para o canhão que participou da sangrenta Guerra do Paraguai, conhecido como El Cristiano, que foi fundido a partir de sinos de igreja, foi criado o cheiro "Incenso", que traz reminiscências da colonização religiosa. Junto a este canhão, haverá o som de um sino tocando de tempos em tempos. Para falar sobre questões ambientais, alguns canhões ganharam o cheiro "Oceano", que traz a brisa do mar, e "Mata", com cheiro de terra molhada, e assim por diante.

Pioneira na utilização de cheiros em obras de arte no Brasil, Josely Carvalho utiliza o olfato em suas obras desde a década de 1980, como um "resgate da memória", mas esta será a primeira vez que a artista fará uma instalação totalmente olfativa, que terá sua visualidade emprestada da coleção histórica de canhões do museu. "É uma obra não para ser vista, mas sentida, que aborda o resgate da memória histórica, transitando pelo espaço-tempo e adentrando os túneis dos canhões, que armazenam vestígios dos poderes econômicos, bélicos, políticos e sexuais, vivenciados ainda hoje com intensidade", afirma Josely Carvalho, que ressalta que olfato tem sido pouco inserido na arte contemporânea, que privilegia os sentidos da visão e da audição.

SERVIÇO

ENTRE OS CHEIROS DA HISTÓRIA

Pátio dos Canhões - Museu Histórico Nacional (Praça Marechal Âncora, s/nª - Centro)Até 29/1, de quarta a sexta (10h às 17h) e sábados e domingos (13h às 17h).

Entrada franca.