Ressignificar. Foi seguindo esse preceito que o conceito museográfico do "Memorial às Vítimas do Holocausto", no Morro do Pasmado, em Botafogo, foi concebido. De portas abertas desde janeiro, o projeto reconta esse trágico episódio da nossa história, de forma que as pessoas se conectem com o passado e não repitam os mesmos erros para as gerações futuras.
Para isso, a empresa de design Superuber, criada em 2002 por Liana Brazil e Russ Rive, mergulhou nos acontecimentos da época, trazendo um novo discurso: o olhar e as histórias daqueles que sofreram, sobreviveram e refizeram suas vidas depois do Holocausto.
Concebido em parceria com o Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), responsável pela implantação e desenvolvimento curatorial do Memorial, o espaço oferece aos visitantes uma experiência interativa e imersiva, com uso de tecnologias inovadoras. A tragédia do Holocausto é recontada em três tempos: o antes, o durante e o depois, sempre permeados pelos conceitos de resiliência, empatia e resistência.
"Em todos esses anos desenhando exposições, eu nunca tinha tratado um tema que mudou tanto a sua narrativa quanto esse. Num primeiro momento, destacam-se os perpetradores e a indústria da morte. Mas, ao longo dos anos, a narrativa se voltou para as vítimas, os resilientes que sobreviveram, refizeram suas vidas e até hoje lutam para que essa história não seja esquecida. Isso se deve muito à militância dos judeus e à construção dessa memória.", explica Liana.
Ao chegar no Parque Yitzhak Rabin, o visitante se depara com um grande monumento, simbolizando os dez mandamentos com o escrito "Não matarás" em sua base. Projetado em forma circular, o circuito da exposição começa no Centro Vida, onde o visitante encontra uma grande sala imersiva com uma projeção de retratos e citações que se espalham pelo ambiente, a partir de uma forte chama - a chama da vida. Quando as pessoas dão as mãos e fecham o círculo tocando nos sensores em cada ponta da projeção, uma frase é projetada, convidando o público ao movimento de união e empatia.
A primeira sala mostra o contexto histórico antes do Holocausto. Nas paredes externas, estão referências do coletivo, do campo e da cidade. A parede interna traz uma série de animações de fotos e textos. "A parede externa mostra a pluralidade de raças, religiões e culturas. Ciganos, negros, judeus, suas cerimônias e festas. Já na parede interna, estão minidocumentários das histórias pessoais de antes do Holocausto", revela Liana. O som ambiente nos remete às cidades da época.
Fotos em preto e branco, dispostas de forma livre e solta, ganharam cores através de um tratamento feito com o uso da inteligência artificial. "A vida das pessoas antes do Holocausto era livre. Quisemos dar cor a esses retratos para aproximar o visitante. Para não ficar com a sensação de que estamos falando de um passado distante, que nada tem a ver com o hoje", reflete Liana. Para completar, através de uma interface interativa, é possível escolher os retratados. No centro, a Mesa do Acolhimento ensina de forma interativa as características das diversas religiões, culturas e pensamentos diferentes que coexistiam, trazendo exemplos de intelectuais e outras pessoas da época.
O espaço seguinte retrata o momento do Holocausto. As fotos coloridas e com formas variadas passam a ser rígidas e sem cor. Uma iluminação especial elimina todas as cores da sala, tirando a "vida" de tudo e criando uma espécie de "apagamento". Em meio às imagens, dois mapas interativos mostram os locais de confinamento e extermínio do Holocausto.
A parede interna traz mais uma experiência interativa para evocar o sentimento de empatia. Ao colocar as mãos nos painéis, o visitante ouve as histórias dos sobreviventes, alguns narrados pelos próprios e, ao longo da narrativa, seus retratos vão se formando aos poucos. No centro, a chama da vida está diminuída, quase apagada, emitindo a palavra "resistência" em vários idiomas.
Fechando o circuito, a terceira e última sala retrata o pós-Holocausto, como essas pessoas conseguiram sobreviver e reconstruir suas vidas. O conceito principal é a ideia de movimento. Um mapa mostra o fluxo migratório dos povos perseguidos se espalhando pelo mundo. As imagens ganham movimento e uma disposição mais solta, simbolizando a ideia da vida sendo retomada após tantas perdas. No centro, a mesa interativa dos sobreviventes acolhidos no Brasil é um grande álbum de fotos com informações como cidade de nascimento e cidade de acolhimento. As informações são acessadas a partir do banco de dados do Museu do Holocausto de Curitiba. "Através dessa pesquisa, pode ser que o visitante encontre informações sobre algum parente na lista dos sobreviventes. É mais uma forma de conectar passado e presente e fortalecer a ideia de que essa memória precisa se manter viva", diz Liana.