Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Chico Bento na raiz da roça

Isaac Amendoim dá vida ao herói rural de Maurício de Sousa | Foto: Fabio Braga/Divulgação

Do Natal até agora, o cinema brasileiro emplacou um blockbuster com 2 milhões de ingressos vendidos ("O Auto da Compadecida 2"), testemunhou a consagração de Fernanda Torres na festa do Globo de Ouro e emplacou "Ainda Estou Aqui" em listas de melhores filmes do ano de importantes associações. Se os augúrios para 2025 já estão bons, que dirá após "Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa", que estreia neste fim de semana, cumprir sua vocação de sucesso e devolver ao circuito exibidor a certeza de que uma produção nacional infantojuvenil pode peitar a concorrência estrangeira nesta temporada de férias.

Da década de 1970 até o ano de 1990, Os Trapalhões e Xuxa cumpriram bem essa função. A Rainha dos Baixinhos voltou a ocupar esse posto entre "Requebra" (1999) e "O Mistério de Feirinha" (2009), época na qual Renato Aragão (que chega aos 90 anos nesta segunda) emplacou uma série de acertos em aventuras solo de seu chapliano Didi.

Com a saída deles da telona, criou-se um hiato, vez ou outra preenchido por animações locais (vide "Arca de Noé", de Alois Di Leo e Sergio Machado) ou por franquias da Turma da Mônica, sobretudo os longas "Laços" (2019) e "Lições" (2021). É desse mesmo universo, inaugurado pelo quadrinista Mauricio de Sousa, em 1959, que brota um potencial recordista de público, salpicado de elogios em suas exibições pré-lançamento.


 

O carisma de Isaac em cena é indiscutível

A evolução do traço de Chico Bento desde 1963 | Foto: Reprodução

Coube a um mineirinho nascido na cidade de Cana Verde, em 2014, dar vida a Chico Bento no filme dirigido por Fernando Fraiha (de "Bem-vinda, Violeta!"): o youtuber Isaac Amendoim. Há milhões de seguidores atrás de suas contas nas redes sociais, acompanhando o dia a dia desse agroinfluencer com seus animais e amigos humanos. Sua simplicidade (somada a uma simpatia inegável) fez dele a escolha ideal para viver o caipirinha mais famoso dos quadrinhos deste país - esboçado por Mauricio em 1961, mas só lançado em tiras em 1963.

"Existiu um carinho entre todos os integrantes da filmagem que reverbera para a gente da tela para fora na história de um personagem que se conecta com o público pela pureza dele", disse Fraiha ao Correio da Manhã numa apinhada projeção matinal do filme no UCI, na Barra, em ação de pré-estreia, coroada com uma ovação. "Um dos nossos maiores desafios era encontrar a vibração das cores que o Chico tinha no início dos anos 1960".

Que o carisma de Isaac em cena é gigante é indiscutível. Não se discute também a excelência da fotografia de Gustavo Hadba, artesão da luz que vive uma fase de apogeu nas telas desde "O Grande Circo Místico" (2018). Aliás, foi ele quem fotografou "O Auto da Compadecida 2" também.

Inclua ainda no rol de acertos da versão audiovisual de Chico Bento, produzida pela Biônica Filmes, a (feliz) escalação de Débora Falabella, como Professora Marocas, e presença de Taís Araújo (em luminosa atuação) numa personagem misteriosa, sobre a qual é melhor não revelar nada, para evitar spoiler. Tem ainda um vilão de peso e bigodão, o Dotô Agripino, um empreendedor picareta que almeja dar cabo da fonte das suculentas goiabas de Chico em prol do progresso. Essa figura, que parece o Eufrazino (Yosemite Sam) do desenho "Looney Tunes", extrai de Augusto Madeira um finíssimo redesenho dos arquétipos da vilania, que redefine o lugar da maldade na geopolítica da roça.

Calcada numa interpretação nas raias da ironia de Madeira, Dotô Agripino estrutura uma linha sociológica no roteiro escrito por Elena Altheman, Raul Chequer e Fraiha, fazendo avançar reflexões das ciências sociais e da literatura sobre o universo do campo, que evocam o seminal livro "Os Parceiros do Rio Bonito" (1964), de Antonio Candido (1918-2017).

A caricatura do matuto cai por terra, em prol de uma visão humanista e complexa, mas de instantânea comunicação com as plateias. Essa trilha se alinha com recentes reinvenções das aventuras de Chico Bento nas HQs, como as graphic novels "Verdade" e "Arvorada", ambas de Orlandelli, publicadas pela Panini Comics. A mesma editora lança a revistinha (bi)mensal do moleque mais famoso da Vila Abobrinha, as Gerais imaginárias de Mauricio.