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Rússia abandona ilha da Cobra, símbolo da resistência da Ucrânia

| Foto: Reprodução

Por: Igor Gielow 

Em mais um episódio da Guerra da Ucrânia engolfado pelo conflito de versões, a Rússia abandonou na madrugada desta quinta (30) a estratégica e simbólica ilha da Cobra, no noroeste do mar Negro.

Estratégica porque, minúscula (quase três vezes menor que o Vaticano, menor Estado do mundo) e a meros 35 km a leste da fronteira da Ucrânia e da Romênia, a foz do rio Danúbio, ela é um ponto de controle de tráfego marítimo importante.

Simbólica porque, quando foi tomada pelos russos no primeiro dia da guerra, 24 de fevereiro, a guarnição de 13 ucranianos lá baseada famosamente disse por rádio a um dos navios inimigos para ir "se f..." antes de ser capturada.

A frase virou um ícone da resistência ucraniana, romantizada por Kiev: os soldados, que o governo achou por dias que estavam mortos, viraram heróis nacionais. Um concurso foi promovido para criar um selo em homenagem ao episódio. A embarcação xingada, o cruzador Moskva, acabou afundado na maior perda naval russa do conflito, em abril.

Segundo o Ministério da Defesa da Rússia, a evacuação foi "um gesto de boa vontade". "A fim de organizar um corredor humanitário de grãos como parte da implementação de acordos conjuntos com participação da ONU, a Rússia decidiu deixar suas posições", afirmou a pasta.

As forças russas deixaram a ilha em dois barcos pequenos. Moscou diz que a agora Kiev precisa retirar as minas da região para organizar a exportação de mais de 20 milhões de toneladas de grãos represadas em Odessa, seu maior porto no mar Negro.

A história pode até ser verdadeira, mas soa estranha. Nas últimas semanas, os russos haviam sofrido ao menos dois ataques na ilha com mísseis e drones. Um rebocador russo foi afundado. As ações acabaram repelidas, mas mostravam o contínuo foco no local.

A Marinha da Ucrânia foi aniquilada, mas a proximidade da costa permitiu a Kiev ataques com mísseis e ao alcance de seus veículos não tripulados. Nesta quinta, a imprensa ucraniana confirmou a retirada russa e disse que havia relatos de que os invasores queimaram suas instalações no local, embora nada falasse de acordo sobre grãos.

Depois, as Forças Armadas disseram que a recaptura da ilha da Cobra era resultado de um renovado ataque com mísseis, que teria expulso os russos. Novamente, apesar de a base na ilha estar bem protegida por sistemas antiaéreos, a versão pode ser real.

Por ora, o fato é que a Rússia perdeu um ponto de apoio importante caso tente controlar a costa do mar Negro. Este era um dos objetivos presumidos dos russos, segundo inadvertidamente revelou um general em abril, após a conquista do corredor terrestre entre o Donbass (leste) e a Crimeia anexada em 2014.

O corredor está estabelecido, mas o foco da guerra russa hoje é no Donbass, com avanços para a tomada dos 5% da província de Lugansk em mãos de Kiev e preparativos para algo ainda mais complexo, devido a fatores de terreno, que é capturar os 40% remanescentes da vizinha Donetsk ucraniana.

O controle do mar Negro, que de resto é total pelos russos na sua porção norte, não é essencial para Moscou neste momento. Mas, caso quisesse conquistar Odessa e o resto da costa, a ilha era um ponto de controle bastante importante.

Voltando ao campo do simbolismo, a saída russa, seja por expulsão ou voluntária, é uma rara boa notícia para Kiev nas últimas semanas, e será devidamente comemorada. Quanto ao suposto acordo, é bom lembrar que a retirada de minas de Odessa também pode ser vista como um meio de facilitar um desembarque anfíbio futuro.

A questão alimentar é uma das frentes da guerra. O Ocidente acusa o governo de Vladimir Putin de usar o bloqueio à Ucrânia como arma, pressionando contra as sanções econômicas que sofre ao ameaçar a fome em locais como a África e ao provocar inflação no resto do mundo. O Kremlin diz que o problema é de Kiev.