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'O Mal Não Existe': a natureza sob o olhar sensível de Hamaguchi

O aclamado cineasta japonês Ryusuke Hamaguchi, vencedor do Leão de Prata no Festival de Veneza do ano passado, retorna com uma obra que desafia as convenções do cinema comercial. Em "O Mal não Existe", Hamaguchi apresenta uma narrativa densa e contemplativa, explorando o confronto entre o homem e a natureza, e os impactos de um desenvolvimento desordenado sobre o meio ambiente.

Ambientado em uma pequena aldeia japonesa onde a água é um recurso vital, o filme aborda os prováveis efeitos de um empreendimento de glamping — uma forma luxuosa de acampamento — planejado por gestores que desconhecem a delicada ecologia local. A história segue um morador da aldeia, um homem que vive com sua filha e trabalha como faz-tudo na região. Ele é um profundo conhecedor do local e se vê em desacordo com a empresa responsável pelo projeto, destinada a atrair turistas de Tóquio.

Hamaguchi utiliza um roteiro contemplativo para explorar a complexa relação entre os seres humanos e a natureza. A narrativa se desenvolve lentamente, com cada detalhe se revelando gradualmente, exigindo paciência do espectador. As pausas para reflexão proporcionam uma profunda análise sobre a ação humana na natureza e os seus impactos sociais. O filme apresenta uma metáfora poderosa sobre a luta constante entre a preservação ambiental e os interesses capitalistas, destacando a resistência como uma forma de esperança.

De um lado, vemos famílias que dependem dos recursos naturais, e de outro, ações desenfreadas movidas pela ganância e incentivadas por subsídios governamentais pós-pandemia. Mesmo em um dos países mais desenvolvidos do mundo, o filme mostra como a ambição humana pode desestabilizar qualquer resolução simples. "O Mal não Existe" desafia o espectador a refletir sobre o equilíbrio entre desenvolvimento e sustentabilidade, entregando uma mensagem clara, mas cuja apreciação depende da disposição de cada um para absorver seu ritmo pausado e introspectivo.

A trilha sonora, composta por Eiko Ishibashi, colabora significativamente para a atmosfera do filme. Ishibashi, que já havia trabalhado com Hamaguchi no sucesso mundial "Drive My Car", contribui com uma composição impactante que eleva a crítica social do cinema de Hamaguchi, reforçando seu status como um dos cineastas mais sensíveis e aclamados da atualidade.

"O Mal não Existe" é uma obra que transcende o mero entretenimento, convidando o público a uma reflexão profunda sobre os desafios da coexistência entre o progresso humano e a preservação ambiental.

Nota: 8/10