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A moda múltipla

| Foto: Divulgação

Por João Perassolo (Folhapress)

As passarelas vão estar cheias nesta semana - e o público, como há anos não acontecia, disputando espaço para ver os desfiles. Isto porque a São Paulo Fashion Week que começou quarta-feira e vai até domingo (20) marca o retorno da quase totalidade do evento ao presencial, depois de duas edições em que praticamente metade das marcas apresentaram suas coleções em forma de filmes digitais, por causa da pandemia.

Com este retorno, diz Paulo Borges, o diretor criativo, a 54ª SPFW quer recuperar a ideia de ser um festival, como ensaiou se tornar antes da Covid, não só uma semana no calendário para a apresentação de roupas. Esta ambição se traduz em atividades que vão acontecer paralelamente aos desfiles, a exemplo de uma exposição com artistas racializados nas ruas da Mooca.

Assim como na edição anterior, em junho, esta SPFW acontece fora do Parque Ibirapuera, seu lugar cativo. Os 43 desfiles se dividem entre duas passarelas no galpão Komplexo Tempo, na Mooca, e uma no shopping Iguatemi.

Algumas marcas grandes ocupam locais externos, como a Misci, que leva à Sala São Paulo uma coleção inspirada pelo automobilismo, e a Ellus, que comemora seus 50 anos no hotel Rosewood com uma das apresentações mais esperadas do evento. Cinco desfiles digitais completam a programação.

Borges destaca dois pontos principais desta edição - como evitar o desperdício têxtil, seja na fase da produção do vestuário ou depois, quando uma roupa é jogada fora, e a maneira com a qual a moda tem trabalhado com as pautas identitárias, incluindo minorias raciais e sexuais tanto nas passarelas quanto na produção. "O estilista não é mais só aquele que desenha, faz uma coleção", afirma ele, acrescentando que "a profissão conversa com outras áreas criativas, como as artes plásticas, e ainda soma responsabilidades sociais".

Uma delas é a inclusão de todos os tipos de corpo na passarela, o que já vem acontecendo há alguns anos, com modelos gordos, por exemplo, desfilando. Outra é a quebra da distinção de gênero - o masculino e o feminino não fazem mais sentido para algumas marcas, como é o caso da jovem Anacê, grife que apresentará uma coleção de alfaiataria com peças sem tanta demarcação de silhueta, inspiradas por imagens de sonhos e do inconsciente.

"Sempre com a pretensão de trabalhar a silhueta da alfaiataria tradicional repensada para o cotidiano, para a juventude, para uma galera nova, que não usa a alfaiataria tradicional, de escritório, e que também fosse indistinta de gênero", diz Cecilia Gromann, a diretora criativa da marca.

Outra etiqueta que quer abandonar a divisão entre masculino e feminino é a estreante Greg Joey, de Lucas Danuello, que desfilará pela primeira vez na SPFW mostrando peças amplas de seda, linho e algodão inspiradas em filmes de terror clássicos.

O calendário de 48 desfiles tem também outras três marcas novatas: Maurício Duarte, grife do estilista manauara de mesmo nome inspirada por comunidades indígenas do Amazonas; Buzina, da portuguesa Vera Fernandes, que vai atualizar o "brilho, exagero e feminilidade exacerbada de outrora", segundo a estilista; e Heloisa Faria, da diretora criativa que nomeia a marca, apresenta uma coleção com tecidos vintage garimpados e estampas psicodélicas.

Espera-se também que as marcas olhem para questões macro do Brasil. A tensão social gerada pelo preço dos combustíveis aparece numa bolsa de couro no formato de galão de gasolina, a ser desfilada pela Misci, marca que veste Janja, a futura primeira-dama.

"A gasolina no país não deixa de ser um termômetro político e social. Desde a época em que colocavam a [ex-presidente] Dilma [Roussef] de pernas abertas num tanque de gasolina. É uma imagem que sempre me incomodou muito", diz Airon Martin, o diretor criativo da marca, em referência a um antigo meme que zombava da líder do PT.

Para além da passarela, uma mostra de pinturas, cartazes, fotos, grafites e instalações de 23 artistas quer questionar o "espaço permeado de branquitude" da moda, nas palavras da curadora Carollina Lauriano. Espalhados no Komplexo Tempo e nos arredores, as obras são de nomes pouco conhecidos e de fora do circuito das artes de Rio e São Paulo. Lauriano destaca o trabalho de Fernanda Liberti, o retrato de uma calça justa em um corpo gordo deixando parte das nádegas à mostra. "A gente se veste para existir no mundo mas a moda não abarca estas pessoas", afirma.

A São Paulo Fashion Week custa entre R$ 8 milhões e R$ 10 milhões, segundo Borges, o diretor criativo, cifra integralmente bancada com patrocínios, sem o uso de leis de incentivo. Nesta edição, o evento estreou a venda de ingressos para o público, com valores que chegam a R$ 1.600 para poder acessar a sala de desfiles e ver uma apresentação em pé, com visão parcial da passarela.

Mas a venda de tíquetes não está relacionada à sustentação financeira da SPFW, afirma Borges, e sim à uma experimentação. Outras semanas de moda estão há alguns anos oferecendo entradas pagas, segundo ele, o que vem no encalço de uma mudança de comportamento -as pessoas passaram a demandar mais informação e a ter um desejo crescente de estar na sala de desfiles ou no espaço comum do evento, respirando o mesmo ar dos fashionistas.