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Um cenário que parecia desfile

A estilista Maria Grazia Chiuri diante da Grandiosa Valquíria, ambiente criado pela artista plástica portuguesa Joana Vasconcelos para o desfile da Dior na Semana da Moda de Paris, e que usou tecidos e estampas da lendária marca | Foto: Divulgação

Por Caio Delcolli (Folhapress)

Joana Vasconcelos tomou de assalto o desfile da Dior na Semana de Moda de Paris com uma instalação exuberante na passarela. A artista plástica portuguesa dominou o espaço com mais de uma tonelada de tecidos coloridos e de texturas variadas, todos da coleção da própria Dior, espalhados pelo teto e pelo decorrer da passarela.

As modelos, que apresentavam os looks de outono-inverno para este ano e o seguinte, andavam em ziguezague em meio a estampas, lantejoulas e luzes. A coleção entrou em choque com o trabalho da artista. Assinadas por Maria Grazia Chiuri, as roupas concisas, sérias e, é claro, elegantíssimas quase assumiram um papel coadjuvante no desfile. A designer ofereceu um discreto banquete visual de casacos e saias em tons neutros inspirados na lendária atriz negra Josephine Baker, ícone da Era do Jazz, da tresloucada década de 1920 e do movimento dos direitos civis quarenta anos depois.

Chiuri manteve sua tradição de diálogo com outras formas de arte ao ter como convidada especial do ano a artista afro-americana Mickalene Thomas, um dos nomes mais quentes da pintura e da colagem contemporâneas. O trabalho de Thomas por si só já traz um panorama de figuras da cultura negra e queer. As roupas da Dior, este ano, trouxeram a mulher negra como protagonista.

Falando em exuberância, Rick Owens, da marca homônima, trouxe a sua própria com uma enorme jaqueta coberta por franjas e lantejoulas de chiffon de seda bordados manualmente e com os ombros formando uma curva para cima. O exagero nas medidas foi outro elemento marcante do desfile da Owens, que trouxe looks agressivos e pretos, compostos por botas de cano e salto alto e ombreiras em ângulos contundentes.

Várias das modelos de visual andrógino e esguio, envoltas à névoa artificial, usaram lentes pretas nos olhos, como se essas mulheres fossem personagens do terror gótico que foram parar na passarela. O rapper Tommy Cash, o muso da ambição pela estética sinistra da Owens, compareceu ao desfile vestindo uma regata branca e justa com a estampa "processe-me" no peito - e, da cintura para baixo, nada além de uma prótese de vagina.

Uma das afirmações feitas na Semana de Moda deste ano é que exuberância e beleza não andam necessariamente de mãos dadas. A Undercover apresentou modelos usando imensos cílios postiços vermelhos, gorros com chifres.

A Off White, por sua vez, colocou na passarela um modelo com a cabeça coberta por um look mecânico feito de engrenagens ligadas umas às outras, que deixavam à mostra apenas os olhos e a boca. Esse é um dos exemplos recentes das aventuras da Off White, uma marca excêntrica, com a iconografia do steampunk, subgênero da ficção científica que combina tecnologia industrial retrô e futurista.

A estatuesca Naomi Campbell desfilou pela Off White, mas trajando os modelitos mais sóbrios da marca, como um vestido preto colado ao corpo cuja gola fazia um círculo perfeito em torno da cabeça da modelo. A presença de Naomi é um aceno a Virgil Abloh, designer da Off White de quem ela era amiga. Abloh morreu em 2021, em decorrência de um câncer. Seu novo diretor criativo, Ib Kamara, estreou com força.

O ator Jared Leto conferiu o primeiro desfile da marca Vivienne Westwood, cuja fundadora homônima morreu em dezembro de 2022. O posto foi assumido pelo viúvo da designer, Andreas Kronthaler, que evocou as eternas rebeldia e elegância de Westwood - e a homenageou estampando o rosto da estilista em uma blusa.

A rebeldia também deu o tom na coleção-protesto de Stella McCartney. A designer apresentou casacos, vestidos e saias, entre outras peças, feitos de uvas, cogumelos e maçãs imitando couro animal. A passarela foi um estábulo. "Minhas roupas não mataram nada", ela afirmou à imprensa.