Há 50 anos, regime militar era instaurado no Chile

Derrubada de Salvador Allende do poder em 11 de setembro de 1973 fez emergir o general Augusto Pinochet no comando do Palácio La Moneda

Por Marcelo Perilier

Últimos momentos de Salvador Allende como presidente do Chile no Palácio La Moneda

Por Marcelo Perillier e Barros Miranda

Muitos lembram o 11 de setembro como a data do atentado às Torres Gêmeas, em Nova York, e a consequente mudança no sistema de segurança dos Estados Unidos – nacional e internacional –, com destaque para a entrada e saída de imigrantes do território norte-americano. Porém, existe outro fato marcante na data, pouco difundido no mundo, mas que criou uma marca significativa no jornalismo brasileiro: o golpe militar que tirou Salvador Allende do poder no Chile e instaurou o regime militar no vizinho sul-americano, comandado por Augusto Pinochet, que completa 50 anos.

Nesta matéria, uma “conversa” entre três historiadores e pesquisadores – Luiz Alberto Moniz Bandeira, Carlos Altamirano e Alberto Aggio – dá um relato como estava o Chile no período e como se sucedeu a entrada de Pinochet no poder.

O relógio marcava 23h do dia 11 de setembro de 1973. Alberto Dines (1932-2018) estava na redação do Jornal do Brasil (JB), elaborando a capa da edição seguinte do jornal, que iria para as bancas, na manhã de 12 de setembro de 1973. A ordem dos militares era clara e precisa: a manchete não poderia ter nenhuma menção sobre a queda do então presidente Salvador Allende do poder, muito menos a instauração de um regime militar no Chile.

Dines inovou. Sem manchete, ela apresentou um artigo no qual relatava os acontecimentos na noite anterior no país andino. A audácia foi bastante elogiada por colegas de profissão. No entanto, sua publicação gerou, meses mais tarde, a demissão de Dines da editoria do JB.

Outros jornais da época, como o próprio Correio da Manhã, deram fotos, chamadas e manchete sobre o incidente no Chile, mas não usaram a palavra "golpe".

Reprodução - Capa do Correio da Manhã em12 de setembro de 1973, com fotos de Pinochet e Allende, desrespeitando uma norma da Polícia Federal

 
Reprodução - Página do Correio da Manhã em12 de setembro de 1973 sobre o golpe militar chileno

De acordo com Moniz Bandeira, o Golpe Militar no Chile em 1973 não foi algo que ocorreu ao acaso. Em sua linha de raciocínio historiográfico, ele explicita ações do Serviço de Inteligência dos Estados Unidos (CIA em inglês) para conter o avanço do socialismo na América. Vale ressaltar que após Cuba se aliar a URSS, o temor disso virar exemplo para outras nações no continente era muito grande para os EUA.

Além disso, Moniz Bandeira destaca também operações do grupo guerrilheiro MIR – tanto na esfera social quanto na esfera política – e da crise econômica deflagrada durante o governo Allende, quando muitos empresários chilenos passaram a investir capital no Brasil, e não mais no próprio país.

Entretanto, antes de explicar como foi o golpe, desde a eleição e sucessão de Eduardo Frei até a derrubada de Allende, Moniz Bandeira explica as diferenças entre Golpe de Estado de Revolução. Para ele, a ressalva entre os dois está na questão da estrutura econômica, política e social da Nação. Enquanto a Revolução modifica os itens citados como todo, o Golpe de Estado visa mudar os governantes ou mesmo o ordenamento jurídico do país. Ele destaca, porém, que os dois acontecimentos, por ventura, podem se complementar, caso da Revolução Russa de 1917, que resultou na formação da URSS.

Depois da Revolução Cubana de 1961, os Estados Unidos, utilizando a CIA, começou a monitorar a situação política nos países da América Latina, para que outra nação não viesse a seguir o exemplo de Cuba. O Brasil, em 1964, foi o primeiro exemplo. Autoridades norte-americanas estavam desconfiadas de algumas atitudes do então presidente João Goulart, principalmente em virtude do seu plano de metas, no qual se destacava a reforma agrária, e apoiaram os militares para a tomada do poder.

 

NSA/ Arquivo - Última página de um arquivo da CIA onde Richard Nixon, então presidente dos EUA, armava um plano secreto para tirar Allende do poder

 

No Chile, não foi diferente. O monitoramento da CIA observava o crescimento de uma ala forte da esquerda no país andino, com coalizões de partidos políticos nas eleições. Com isso, o governo norte-americano ajuda maciçamente o candidato da Democracia Cristã (DC), Eduardo Frei, a ser o sucessor de Jorge Alessandri, de frente de direita, ante Salvador Allende, da frente de esquerda. Com o slogan “Revolução em Liberdade”, Frei supera Allende e assume a presidência do Chile.

Já na sucessão de Frei, a DC decide lançar Radomiro Tomic, com um tema de campanha bem diferente daquele utilizado em 1964. Agora, o lema era “Revolução Comunitária”, algo que aproximava muito o partido da UP e o distanciava do Partido Radical, que liderava a frente de direita, com Jorge Alessandri novamente na cabeça da chapa, junto com o poder e investimento da CIA em propagandas.

A frente de esquerda recebe apoio dos Comunistas e Socialistas, dos radicais da Social-Democracia, da Ação Popular Independente e do Movimento de Ação Popular Unificado e a parte esquerdista da igreja católica. Assim, passa a se chamar União Popular, apostando de novo em Salvador Allende como futuro presidente.

A divisão da direita fez com que Allende vencesse o pleito com uma margem de menos de 3% de vantagem sob Alessandri. Mesmo assim, Allende ainda não estava eleito, pois o Congresso Nacional tinha que ratificar o resultado. Pressões dos Estados Unidos, via CIA, para não aprovar a eleição de Salvador Allende foram constantes e bem sintomáticas.

Para Carlos Altamirano, a vitória da UP nas eleições fez com que os Estados Unidos utilizassem todos os meios possíveis e impossíveis para impedir o triunfo e a posse de Allende. A CIA e o Departamento de Estado buscaram fórmulas para isso, como compra de votos de congressistas. Eles previam, também, que o Chile seria um desafio na América Latina, pois, diferente de Cuba, o socialismo emergiu de forma limpa, e não revolucionária. Todavia, destaca Aggio, a vitória da UP foi consolidada por dois motivos: com um acordo com a DC e o assassinato de René Schneider, comandante chefe do exército chileno.

Já Carlos Altamirano faz uma análise dos pontos que contribuíram para o sucesso eleitoral da UP no pleito de 1970. Organizações sindicais mais sólidas no âmbito social e político; um sistema jurídico que atendia as reivindicações mais expressivas dos trabalhadores; a liberdade de expressão de setores significativos da sociedade; e um sistema de eleições livres e periódicas, com um nível considerável de participação da população.

Com Allende no poder, inicia um período chamado por Aggio de “experiência chilena”, pois, pela primeira vez, um governo iria fazer uma transição entre a democracia e socialismo por meio do voto popular. O suporte inicial da DC foi fundamental para ratificar e estabilizar o governo da UP nos primeiros meses, já que o presidente democrata cristão dizia que a posição política do partido era contrária ao programa de governo da direita e que estava mais próxima a ideologia da esquerda cristã – grupo que apoiou a UP.

Altamirano destaca que a DC tinha uma representatividade política e social muito forte no Chile, mas que, na hora da decisão, suas lideranças tendiam mais para os projetos da direita do que os da esquerda. A aliança foi realizada para legitimar o governo, já que a DC não aceitava o plano de governo do Partido Radical, porém também não estava tão afinada com as diretrizes da UP.

O plano de governo da UP, ressalta Aggio, tinha como mote mostrar que era possível passar da democracia para o socialismo sem uma severa ruptura política. Ele objetivava libertar o Chile do capital estrangeiro, garantir emprego a todos os cidadãos e promover um rápido crescimento das forças produtivas, para diversificar as exportações, abrir novos mercados e estabilizar a moeda.

Todavia, para não causar espanto à população por tais medidas de caráter mais igualitário, o plano de governo não utilizava expressões radicais, como “revolução”, e sim algumas mais tênues, como “transformações revolucionárias”. Além disso, como enfatiza Aggio, ele não explicitava que o socialismo seria implementado de forma rápida, mas de uma forma precisa e que a transição entre democracia e socialismo se daria pela “via democrática” (aquela que se utiliza de normas pacíficas de luta, utilizada para mobilizar as massas trabalhadoras, a fim de mostrar a inconstitucionalidade da base burguesa no país e promover a transição para o socialismo).

Só que essa “via pacífica” exige um preço alto. Algo que vai além da maioria eleitoral dos votos (51%). Uma maioria avassaladora, a ponto de amedrontar a burguesia e seus planos de poder. Mesmo assim, ressalta Altamirano, todas as medidas para concretizar o plano de governo da UP foram elaboradas seguindo o regime jurídico vigente no Chile naquele tempo. Conquanto, Aggio revela que a direita usou todos os meios possíveis para subverter o discurso da UP, dizendo que democracia e socialismo não tinham nada em comum e que um sistema só poderia existir com a destruição do outro.

Divulgação/ADGE - General Augusto Pinochet comandou o Chile de 1973 até 1990

Em virtude do distanciamento de Allende e a não participação democrática nos projetos estruturais da UP, a DC foi se distanciando do governo, aproximando-se da neutralidade e da direita. Assim, o projeto da coalizão de esquerda de conseguir maioria nas eleições municipais de 1971 e do parlamento em 1973 não foi adiante.