'Smart Tram' decepciona

Bonde que faz sucesso nas redes não conquistou mundo real

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Veículo é tratado por alguns como um 'ônibus glorificado', em vez de 'bonde inteligente'

Por Nelson de Sá (Folhapress)

Desde 2018, quando passou a circular com regularidade na cidade de Zhuzhou, província de Hunan, no sul da China, o "smart tram", ou bonde inteligente, viraliza vez ou outra nas redes sociais. O veículo combina ônibus articulado e pneus de borracha a uma rota sobre trilhos virtuais e mecanismos de estabilização.

Apesar do sucesso nas telas, sua disseminação na vida real tem sido lenta. Os próprios vídeos provocam reação dos usuários de mídias sociais, que afirmam que ele não passaria de um "ônibus glorificado".

Rafael Pereira, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), comenta que "a grande promessa desse tipo de veículo é conciliar o conforto e a capacidade de um VLT [veículo leve sobre trilhos] com a flexibilidade de um sistema de ônibus".

Acrescenta que, "do ponto de vista de custo de implantação, tem tudo para ser bem mais barato que sistemas tradicionais de VLT, porque dispensa a instalação dos trilhos, mas não tem nem de longe a mesma capacidade de sistemas de metrô e de trens".

Na China, de acordo com a gigante ferroviária CRRC, o ART (sigla em inglês para Trânsito Rápido Ferroviário Autônomo) já foi adotado em outras quatro cidades além de Zhuzhou: Yibin, Suzhou, Harbin e Xian.

Também está presente em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, e em Kuching, na Malásia. Nesta, onde chegou no ano passado, os veículos apresentam característica nova, sendo movidos a hidrogênio, o que permite a eles mais autonomia.

Desenvolvido desde 2013 pelo setor de inovação da CRRC, o ART tem como atrativo principal o custo mais baixo em comparação com bondes tradicionais, uma vez que não exige grandes intervenções na paisagem urbana. Visa rotas de média distância, como a ligação entre estações de metrô ou de trem.

O que o diferencia de um ônibus é não balançar ou se movimentar demais, característica garantida por sua suspensão ativa, sua aceleração controlada, e sensores e câmeras que integram sua tecnologia de estabilização. Segue um trilho virtual de forma autônoma, embora um motorista possa alterar a sua rota manualmente.

Ao custo de US$ 2,2 milhões (R$ 11 milhões) por veículo, o "bonde inteligente" tem três módulos no formato básico, que mede cerca de 30 metros e tem capacidade para transportar 300 pessoas. Alcança 70 quilômetros por hora. O custo por quilômetro do sistema como um todo não passaria de um quinto do custo de um sistema de bonde normal.

Lisa Chamberlain, do Centro Global para Transformação Urbana, do Fórum Econômico Mundial, é uma das que costuma defender o ART em eventos públicos. "Muitas vezes me perguntam: não é só um ônibus caro?", diz. "Ele simplesmente não pode ser chamado de ônibus, dados os seus recursos."

Falando a uma plateia australiana, defendeu que o veículo visava a "revitalizar subúrbios" e fazê-lo com inovação "alcançável imediatamente".

Chamberlain, que aparece em pelo menos um dos vídeos que viralizou, tem entre os seus objetivos convencer a cidade de Nova York a adotar o ART no Brooklyn, onde mora. Reclama que no bairro o projeto de um bonde sobre trilhos ao custo de US$ 1,7 bilhão (R$ 8,4 bilhão) não avança há anos.

Por outro lado, pesquisadores como Yale Wong, do Instituto de Estudos de Transporte e Logística da Universidade de Sydney, sugerem olhar "além do hype" quando se fala dos bondes inteligentes. Para começar, afirma, sistemas de guia ótico não são uma "tecnologia revolucionária", estando em uso há décadas.

Outro mito, ele acrescenta, é que o veículo proporciona "qualidade de viagem" muito maior. Menos solavancos são efeito, principalmente, dos pneus de borracha, presentes em qualquer ônibus. Também pesa a qualidade do pavimento. Por fim, questiona Wong: "De que serve um 'bonde sem trilhos' se ele ficar preso no trânsito?".