Uma lei em Hong Kong limita a intensidade do brilho dos painéis luminosos que cobrem os arranha-céus, mas parece não funcionar. Toda noite, a metrópole chinesa acende em cores estridentes, com anúncios publicitários, desenhos animados projetados nas fachadas e agora até mensagens de boas-vindas à primavera, que estampam a pele de vidro de suas torres à beira do mar.
Essa luz, no entanto, cega mais do que ilumina, à sombra de outra medida que vem se mostrando bem eficaz.
Desde o fim do mês passado, o cerco se fechou sobre o que havia se firmado nas últimas décadas como uma das capitais do mercado de arte global.
Um adendo à polêmica Lei de Segurança Nacional, que há quatro anos já vinha provocando um êxodo de artistas, o chamado Artigo 23 agora impõe uma mordaça a qualquer tipo de protesto político e sufoca a liberdade de expressão, ameaçando prender críticos às autoridades e também aqueles que não denunciarem potenciais críticos, a chamada "traição por imprudência".
"Isso foi o último prego no caixão da nossa liberdade", resume Kacey Wong, um dos artistas mais conhecidos de Hong Kong, famoso por performances a favor da democracia, agora no exílio em Taiwan. "Essa é uma ferramenta política disfarçada de lei para silenciar qualquer oposição."
Wong foi embora da cidade dizendo sentir estar a caminho do próprio funeral. Isso foi há três anos, quando ele já notava uma mudança drástica de rumos para quem sempre falou o que pensava.
"Artistas são criaturas sensíveis, então, quando o ambiente fica desse jeito, ou eles vão embora ou se censuram", ele diz. "Aqueles que ficam passam por um processo de autoesquecimento, uma espécie de amnésia autoinfligida."
Sua carta de despedida foi um filme gravado em Hong Kong, mas montado já no exílio e divulgado também no além-mar.
Em cena, ele passeia pelas ruas nos arredores de seu antigo ateliê tocando no acordeão uma canção que diz "um dia nos veremos de novo", uma carta de amor à cidade que precisou deixar para trás, sem aviso prévio.
Por: Silas Martí (Folhapress)