De exílios e pandemias

Lançado na Flip, primeiro romance de Juliana Monteiro explora olhar estrangeiro sobre o mundo

Por Rudolfo Lago

"Estrangeiria" marca a sensibilidade de Juliana Monteiro

Desde 2014, a jornalista e escritora Juliana Monteiro vive em Roma, na Itália. Quando em 2020, a pandemia de covid-19 alastrou-se pelo país, ela pôde assistir aos trágicos cortejos de caminhões que transportavam os corpos das vítimas pela cidade.

Na semana passada, durante a Feira Literária de Paraty (Flip), Juliana lançou seu primeiro romance, “Nada Lá Fora e Aqui Dentro”, pela editora Patuá. O romance tem como personagem uma brasileira, Loretta, que vive em Roma, e perde sua mãe para a covid-19.

Em entrevista ao Correio da Manhã, Juliana Monteira alerta que param um pouco por aí as coincidências entre a história que conta e a personagem que criou. Seu romance de estreia, garante Juliana, não é autobiográfico.

“Muita gente pergunta se há algo de autobiográfica na história. O que é natural, já que a protagonista é uma ítalo-brasileira, que tem dois filhos e passa a pandemia em Roma”, diz Juliana, que não é ítalo-brasileira, mas mora na Itália e é mãe de Gael e Anita. “Claro que os olhos que viram a pandemia que descrevo são os meus e eu uso dois ou três episódios que vivi, mas não é um romance autobiográfico”. Juliana prefere responder como Gustav Flaubert a respeito de Madame Bovary: “Loretta sou eu. Mas todos os demais personagens do livro são eu também”.

Ela faz uma provocação. “Tenho observado que, na medida em que as mulheres estão ocupando com tanta força e qualidade o espaço da literatura, o termo “autoficção” vem sempre colado à nossa escritura. Isso tem me feito questão porque parece que só podemos contar nossa própria história. Como se a capacidade de invenção fosse prerrogativa masculina”, questiona. “As mulheres fazem tanta ficção quanto os homens. E os homens dependem tanto do seu corpo sensível quanto nós na construção dos seus personagens”.

Estrangeiria

Assim, “Nada Lá Fora e Aqui Dentro” é uma história de ficção. Mas que conversa com os temas e sensibilidades de Juliana, como acontece com qualquer escritor, seja mulher ou homem. E um desses temas é o que Juliana chama de “estrangeiria”, o olhar estrangeiro sobre a vida e a cultura de um país.

Para qualquer pessoa que vive num país estrangeiro, esse olhar sempre gera certa ambiguidade. A forma de enxergar o mundo a partir do lugar em que se vive ganha contornos diferentes. Juliana nunca verá a Itália como um italiano. E passa a enxergar também o Brasil, o país em que nasceu, de uma forma diferente. Longe na distância, mas sempre próxima no coração.

O tema da “estrangeiria” era já o foco principal do livro anterior de Juliana, “Ao Brasil, com Amor”, uma troca de cartas entre ela e o jornalista Jamil Chade, correspondente do portal UOL em Genebra, na Suíça. As cartas foram trocadas durante a pandemia. E nelas os dois observam o mundo a partir de seus postos de estrangeiros.

“Escrevi com Jamil enquanto desenvolvia o romance”, conta Juliana. “Sem dúvida, os dois livros trazem algumas das minhas obsessões. Cada um a seu modo tem uma forte pegada política e muitos temas se repetem pois são as questões que me cercam e que eu interrogo com minha escrita. O corpo, o amor, a estrangeiria, as desigualdades e injustiças, os propósitos, o mundo hostil que habitamos, especialmente quando vivemos em um corpo de mulher”, descreve ela. “Mas talvez certa esperança presente no primeiro livro tenha se transmutado em desilusão no romance. Escrevi com Jamil movida por uma forte convicção de que a pandemia iria transformar radicalmente nossos modos de vida, o que não aconteceu. O livro novo certamente traz essa decepção”.

“A estrangeiria e a noção de pertencimento são questões caras para mim”, explica Juliana. “Mais uma vez, por meio da minha protagonista, olho o Brasil de longe e apaixonadamente. Relativizo a distância que me separa do lugar onde nasci ao mesmo tempo em que interrogo de que matéria é feita a saudade e as medidas que nossos corpos usam para calcular distâncias”.

De volta a Itália depois pela passagem pelo Brasil, na qual fez uma noite de autógrafos na sua cidade natal, Brasília, no bar que frequentou na sua juventude, o Beirute, antes do lançamento na Flip, Juliana aguarda agora a repercussão de seu primeiro romance, já pensando no próximo. “Vou começar a trabalhar em um romance cuja história antecede esta que publiquei agora. Mas tomei uma decisão linda assim que cheguei em Paraty. Antes de mergulhar nessa nova escritura, pretendo tirar dois meses para apenas ler. Volto para Roma com a mala cheia de livros, o coração aquecido pelo afeto dos meus e a imaginação colorida pela língua que falamos na terra onde nasci”.