Por: Mayariane Castro

Philippe, o cara da Plebe

Philippe: 640 de memórias sobre rock e muito mais | Foto: Divulgação

É um calhamaço. Nada menos que 640 páginas de textos e fotos. E poderia ser maior: a versão inicial tinha 900 páginas. O livro, porém, conta uma histórica icônica. São as memórias do guitarrista e vocalista da Plebe Rude, Philippe Seabra, e da sua importância na história da cena rock brasiliense dos anos 80, que fez nascer também a Legião Urbana e o Capital Inicial, entre outras bandas.

“O Cara da Plebe” é o relato pessoal de Philippe Seabra. sobre sua trajetória, abordando não apenas os primórdios de sua carreira na música, mas também questões sociais e políticas de sua geração e de sua cidade natal. A publicação, que é mais que um simples registro da história da famosa banda de punk rock brasiliense, se expande para reflexões sobre a arte, a educação e o Brasil das últimas décadas.

O livro de Seabra é dividido em quatro atos, sendo que cada um deles explora diferentes períodos de sua vida e da Plebe Rude. Para o autor, o mais desafiador foi escrever sobre a época do auge nos anos 1980, quando a banda alcançou destaque no cenário nacional e começaram as primeiras divergências internas. Contudo, ele revela que, ao contrário de alguns relatos de músicos sobre o tema, procurou tratar essa fase de forma respeitosa e sem ressentimentos.

Entrelinhas e acordes

Em entrevista ao Correio da Manhã, Seabra afirmou que, por muito tempo, não considerou a ideia de escrever suas memórias. Foi somente após uma palestra a convite da vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão, em 2018, que ele se deu conta de que sua experiência de vida poderia gerar reflexões que valeriam a pena compartilhar.

O livro aborda desde os primeiros passos da Plebe Rude até o momento em que Seabra deixou o Brasil, após o fim da banda. A mudança para Nova Iorque, onde viveu por seis anos, foi um ponto de inflexão, especialmente em termos de seu crescimento pessoal e redescoberta da música. Para Philippe, o processo criativo do livro foi uma experiência inusitada. O planejamento para a obra começou ainda antes de se sentar para escrever, com ele discutindo o formato e as histórias com outros membros da banda e amigos próximos.

Segundo Seabra, a parte mais difícil foi estruturar e conectar todas as ideias, o que exigiu um trabalho minucioso para garantir fluidez e coesão. A versão inicial que ele entregou à editora Belas Letras tinha 900 páginas, mas após a revisão, o livro foi reduzido para o formato final. “É bonito ver “a criança nascendo. Realmente escrever algo desse tamanho com o nível de detalhe e pesquisa não é para qualquer um mas também sempre escrevi muito, as letras da Plebe sempre foram grandes, algumas delas quiilométricas”.

Década de ouro

Ao longo de “O Cara da Plebe”, Seabra também reflete sobre a relação da arte com a política e a cultura. Ele destaca a importância do rock de Brasília, movimento que teve um impacto fundamental no rock brasileiro, não apenas pela qualidade musical, mas pelo papel que desempenhou na resistência política durante os anos de ditadura militar. O autor observa que a geração da qual fez parte, e que inclui figuras como Renato Russo, Arnaldo Antunes e outros ícones do rock brasileiro, utilizou a música como ferramenta de resistência e transformação.

Ele explica que, em Brasília, os jovens da sua geração sentiam que não havia limites para o que poderiam fazer, especialmente no campo da música e da arte. "O rock de Brasília se tornou um alicerce para o rock brasileiro”, afirma.

Vozes da justiça

Em “O Cara da Plebe”, o autor também aborda questões mais amplas, como a relação da juventude com a política e a cultura, e o impacto da fama e da exposição pública. A obra traz não apenas o relato de uma geração de músicos, mas também uma análise das transformações sociais que ocorreram no Brasil durante as últimas décadas. Seabra critica o atual cenário da música brasileira, lamentando a falta de questionamento e posicionamento de muitos artistas diante dos problemas sociais e políticos do país. Ele defende que o rock, desde sua origem, sempre foi uma forma de questionamento e que é necessário resgatar essa postura crítica.

O livro também faz uma crítica à atual geração de artistas e à mentalidade do "cancelamento", que Seabra vê como um fenômeno perigoso e desprovido de reflexão. Ele observa que a "indignação" nas redes sociais muitas vezes não é genuína, mas uma forma de ultraje recreativo, sem compreensão dos verdadeiros problemas. “As pessoas se acostumaram a uma música sem questionamento e a um país que não questiona mais. Estamos criando uma geração sem discernimento e sem curiosidade intelectual”, lamenta o autor.