Sangue: teatro e poder

Dirigida por Kiko Marques, peça chega ao CCBB Brasília e propõe reflexão sobre relações sociais

Por Mayariane Castro

Divulgação
Relações de poder a partir da criação teatral

O espetáculo “Sangue”, escrito e dirigido por Kiko Marques, estreou nesta sexta-feira (13) no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de Brasília. A peça, que ficará em cartaz até o dia 6 de abril, será apresentada de quinta a sábado, às 20h, e aos domingos, às 18h. Com patrocínio do Banco do Brasil e incentivo da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), o espetáculo já passou por diversas cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, e foi aclamado pelo público e pela crítica.

A história de “Sangue” gira em torno de dois atores que estão montando um texto de um grande autor francês já falecido, quando recebem a notícia da revogação dos direitos autorais da obra. A situação leva os personagens a questionarem a relação de poder e dominação no ambiente artístico e social, explorando temas como o pertencimento, a usurpação e a violência nas relações humanas.

Detalhes

Em entrevista ao Correio, Kiko Marques, autor e diretor da peça, afirmou que a obra busca apresentar um “poema cênico”, no qual se discutem as várias formas de guerra e dominação que permeiam as interações humanas. “A ideia foi criar um mito sobre a necessidade de possuir o outro e, ao mesmo tempo, sobre a verdadeira fraternidade que pode surgir nos campos mais improváveis”, afirmou Marques. O autor também destacou que o espetáculo é uma reflexão sobre a natureza humana e os conflitos internos que se refletem nas relações sociais e no cotidiano da sociedade.

A trama de “Sangue” foi inspirada em um evento real vivido por parte da equipe da peça. Alguns anos atrás, a equipe enfrentou o bloqueio de um projeto artístico por questões de direitos autorais, o que levou Kiko Marques a explorar essa experiência no contexto da peça. “A história que apresentamos no palco é uma miniatura do mundo real, com os mesmos conflitos e desafios que enfrentamos em nossa sociedade”, explicou o diretor.

Teias de poder

O tema central da peça é o poder e a dominação, abordados sob diferentes ângulos, incluindo as questões envolvendo a produção artística e a exploração dos trabalhadores da cultura. No espetáculo, os franceses, responsáveis pelos direitos da obra, armam uma armadilha para tomar o controle do projeto dos artistas brasileiros, fazendo com que percam o domínio sobre aquilo que criaram. Esse enredo também levanta uma discussão sobre os bastidores da produção teatral e as condições enfrentadas pelos profissionais da área, como as tensões entre criação artística e questões comerciais.

“Quis abrir a porta da nossa casa, os bastidores do teatro, ao olhar de quem não vive essa realidade, para que o espectador pudesse conhecer, ao menos em parte, nossa ‘aldeia’, como diria [o escritor russo León]Tolstoi. Ele precisa entender o que acontece nos bastidores, os anseios, as paixões dos envolvidos com o fazer teatral e reconhecer-se neles”, completou Kiko Marques.

Além dos temas principais relacionados ao poder, à dominação e aos direitos autorais, “Sangue” também aborda questões relacionadas ao olhar eurocêntrico e à violência de gênero. Desde o início do relacionamento amoroso entre o diretor francês e a atriz brasileira, são exploradas as dinâmicas de poder que se manifestam nas relações interpessoais e artísticas. O texto se utiliza desses elementos para provocar o público a refletir sobre as desigualdades e as formas de opressão que ainda permeiam o mundo da arte e das relações sociais.

Reconhecido

A peça se propõe a ser uma reflexão sobre as dinâmicas de poder que regem as relações sociais e profissionais, especialmente no universo artístico. Ao abordar questões tão pertinentes à sociedade atual, como a exploração dos direitos autorais, as tensões culturais e a violência de gênero, “Sangue” coloca o público diante de dilemas éticos e morais que transcendem a ficção e se conectam diretamente com as experiências reais dos envolvidos na produção artística.

Rogério Brito foi indicado ao Prêmio Shell de Teatro, em São Paulo, na categoria Melhor Ator, por sua atuação em “Sangue”. Essa indicação reflete o reconhecimento do trabalho de qualidade apresentado pela peça, que tem recebido elogios pela força de suas discussões e pela interpretação dos atores.