Por: Mayariane Castro

O choro é do mundo

Reco do Bandolim batalha pelo reconhecimento mundial do Choro | Foto: Divulgação

O Choro, gênero musical brasileiro com raízes no século 19 e celeiro de grandes artistas, como Pixinguinha, Jacob do Bandolim e Waldir Azevedo, está em processo de candidatura para se tornar Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O pedido, que já foi protocolado junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), depende agora do cumprimento das etapas exigidas para que seja formalizado internacionalmente.

Reconhecido como Patrimônio Cultural do Brasil desde 2023, o Choro entra agora na fase de elaboração de um plano de salvaguarda, documento necessário para a formalização do processo. Cada estado brasileiro onde o gênero possui tradição e atividade, deverá apresentar ao Iphan medidas para a preservação do patrimônio relacionado ao Choro, como acervos, espaços culturais, oficinas e eventos.

Mapeamento

Durante a pandemia de covid-19, o Iphan, em parceria com a empresa responsável pela execução do projeto, realizou um mapeamento nacional com a participação de representantes de grupos e instituições ligadas ao Choro em diversas regiões do país. Foram mais de vinte reuniões com entidades estaduais envolvidas com o desenvolvimento e manutenção do gênero musical.

O plano de salvaguarda contempla ações como a criação ou manutenção de espaços culturais, inventário de acervos musicais e ações de formação. Após a apresentação desses planos, o processo seguirá para o Ministério da Cultura e, posteriormente, ao Ministério das Relações Exteriores, que ficará responsável por encaminhar oficialmente o pedido à Unesco.

Atualmente, cada país pode apresentar apenas uma candidatura por ano à Unesco, o que, segundo os envolvidos no processo, coloca países com grande diversidade cultural, como o Brasil, em desvantagem em relação a nações menores, como Portugal, que tenta o mesmo para o Fado. Ainda assim, o grupo responsável pela articulação da candidatura acredita que a relevância do Choro no cenário musical internacional pode fortalecer o pedido. O Choro faz, por exemplo, grande sucesso no Japão.

A mobilização para o reconhecimento do Choro é liderada por músicos e entidades culturais, como o Clube do Choro de Brasília. Reco do Bandolim, presidente da instituição e fundador da Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello, é uma das vozes ativas na defesa do gênero. Segundo ele, além da valorização cultural, o reconhecimento pode colaborar para uma mudança na percepção sobre o papel do músico no Brasil.

Reconhecimento

Reco afirma, em entrevista ao Correio da Manhã, que, diferentemente de outros países, onde há maior respeito ao trabalho artístico, no Brasil ainda persiste uma visão amadora sobre a profissão. Ele defende a importância de políticas públicas e sociais que reconheçam a atividade musical como trabalho estruturado, com estudo, dedicação e relevância econômica.

Segundo ele, o Choro é uma expressão musical complexa, que exige formação técnica e dedicação. Para Reco, músicos devem ser vistos como profissionais que contribuem com o desenvolvimento cultural e econômico do país. Ele ressalta que a indústria cultural é uma das que mais gera riqueza em escala mundial, o que reforça a necessidade de apoio institucional.

História Viva

A trajetória do grupo Choro Livre, fundado por Reco do Bandolim há mais de 30 anos, exemplifica a importância do gênero na cena musical brasileira. A banda já dividiu o palco com nomes relevantes da Música Popular Brasileira, como Clementina de Jesus, Dona Ivone Lara, Hermeto Pascoal, Sivuca e Nelson Cavaquinho.

Durante suas viagens ao exterior, Reco destacou a recepção do público internacional ao Choro. O grupo acaba de voltar da França. Em eventos fora do país, o grupo foi aplaudido de pé e chegou a fazer três apresentações extras em uma única noite. Para ele, o comportamento do público estrangeiro reflete uma valorização da cultura que ainda precisa ser ampliada no Brasil.

Reco acredita que a candidatura do Choro à Unesco pode colaborar para uma mudança nesse cenário. O reconhecimento internacional, segundo ele, pode impulsionar políticas de incentivo, formação de público e valorização dos profissionais da música.

Processos

A mobilização em torno do Choro é vista por seus representantes como um esforço de reconhecimento da importância histórica e social do gênero. A iniciativa tem o apoio de músicos, gestores culturais, instituições públicas e acadêmicas, que veem na candidatura uma oportunidade de fortalecer a identidade cultural brasileira.

O processo ainda está em andamento e não há previsão oficial para a conclusão. Caso seja aprovado, o Choro se juntará a outros elementos da cultura brasileira já reconhecidos pela Unesco, como o samba de roda do Recôncavo Baiano, o frevo, a roda de capoeira, entre outros.

Enquanto isso, o Clube do Choro de Brasília, em articulação com outras entidades culturais, segue promovendo atividades voltadas à formação musical, apresentações e preservação da memória do Choro. A Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello, por exemplo, é um dos polos de formação na capital federal e tem contribuído para a renovação de instrumentistas dedicados ao gênero.