O romance “Só Vale a Pena se Houver Encanto”, do escritor e jornalista André Giusti, retrata a trajetória de Alessandro Romani, também jornalista e escritor, que atua como protagonista e narrador da obra. Primeiro romance de Giusti, premiado contista, o livro percorre a crise existencial de um homem de meia-idade em busca de um sentido para viver. A narrativa se desenvolve em meio a eventos da vida pessoal do personagem e ao contexto político brasileiro entre 2002 e 2016.
O livro, com 360 páginas, teve seu processo de escrita iniciado onze anos antes do lançamento. Ele marca o 11º título da carreira de Giusti e sucede “As Filhas Moravam com Ele”, coletânea de contos que levou o autor à semifinal do Prêmio Oceanos 2024. A publicação foi feita pela editora Caos e Letras.
Romani se vê como uma peça descartável em redações de veículos de comunicação e tenta conciliar a vida profissional com o fim de seu casamento, a relação com as três filhas e encontros com mulheres com diferentes visões de mundo. Em seu cotidiano, lida com perdas familiares, demissões, divórcio e questões ligadas à saúde emocional. Essas experiências são apresentadas em primeira pessoa, o que confere à narrativa um tom confessional e subjetivo, aproximando o leitor da perspectiva do protagonista.
Enredo
O personagem, embora atue no jornalismo e na literatura, não conduz a narrativa sobre esses universos. Seu percurso é impulsionado pela busca por um sentido que vá além das obrigações cotidianas e financeiras. A história problematiza o papel do indivíduo na sociedade e a função do trabalho na vida moderna, colocando em discussão temas como envelhecimento, paternidade, frustração e desencanto com as instituições sociais.
A ambientação da obra inclui acontecimentos marcantes da política brasileira, como a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 e o impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Esses fatos servem como pano de fundo para os dilemas individuais de Romani, evidenciando a interação entre o ambiente externo e os conflitos internos do protagonista.
O romance trabalha com elementos da autoficção, gênero em que o autor mistura experiências próprias com elementos ficcionais. A construção da narrativa mescla linguagem coloquial e passagens introspectivas, e propõe reflexões sobre escolhas pessoais e o impacto do tempo nas relações humanas. A obra também se debruça sobre a desconstrução de padrões de masculinidade e os desafios emocionais vividos na maturidade.
Feminilidade
Ao longo do livro, Romani mantém encontros com mulheres que contrastam com as figuras femininas comumente retratadas na literatura nacional. Entre elas estão uma coach, uma militar e uma espiritualista. Esses relacionamentos compõem parte do enredo, sem assumir protagonismo na história, mas funcionando como contrapontos às buscas e dúvidas do personagem central.
A narrativa apresenta Alessandro Romani como um sujeito comum, marcado por contradições e constantemente em crise. Essa caracterização propõe uma representação de uma geração que cresceu com a promessa de um futuro estável e se vê diante de frustrações e incertezas. A comparação com personagens da literatura existencialista, como os de John Fante e Dostoiévski, é citada por críticos ao comentar a escolha de um narrador não confiável, estratégia que permite questionar as motivações e atitudes do personagem.
A linguagem adotada por Giusti alterna entre trechos objetivos e momentos poéticos. Frases do tipo “dentro da minha cabeça, a palavra câncer se repetia feito chuveiro pingando no meio da noite” e “a meia-idade começou a me parecer uma imensa cidade triste de esquinas vazias” são exemplos de como o autor conduz o tom emocional da narrativa, sem abrir mão de fluidez e clareza.
Profissional
A relação de Romani com o jornalismo é marcada por frustração e desencanto. O personagem se vê afetado pelas transformações no mercado de comunicação, pela precarização do trabalho e pelo avanço das redes sociais como meio de disseminação de informações. Ao mesmo tempo, observa o crescimento das filhas à distância e tenta manter vínculos afetivos com elas, mesmo com as limitações impostas pelo tempo e pela distância.
A publicação do romance ocorre em um momento em que a literatura brasileira contemporânea discute temas relacionados ao colapso de projetos pessoais e coletivos. Ao inserir o protagonista em um ambiente político instável e em um contexto pessoal de rupturas, Giusti propõe uma reflexão sobre a construção da identidade masculina, a passagem do tempo e o impacto das mudanças sociais sobre os indivíduos.
Críticos literários destacam que a obra se afasta dos padrões tradicionais da literatura brasileira ao abordar figuras e realidades pouco representadas. A linguagem acessível e direta aproxima o leitor da vivência do personagem, e o uso da primeira pessoa provoca a identificação com situações de fracasso, solidão e tentativa de reconstrução.
O romance “Só Vale a Pena se Houver Encanto” representa a estreia de André Giusti na narrativa longa, mas mantém elementos já explorados em sua produção anterior de contos e crônicas. A obra integra o catálogo da editora Caos e Letras e amplia o alcance do autor entre leitores interessados em literatura que dialoga com questões contemporâneas, políticas e afetivas.