Por:

Recado das Águas

Cheia do Guaíba é a maior da história do RS | Foto: Agência Brasil

Por Márcio Coimbra*

O desastre que se abateu no Rio Grande do Sul é uma mensagem que já havia sido telegrafada há tempos, porém negada e rejeitada pelas autoridades. Os sinais de que a natureza reagiria com fúria aos erros e excessos em seu entorno estavam desenhados. Esta enchente de proporções épicas foi precedida por outras e significa um alerta para as próximas que devem chegar. Negar esta realidade é flertar com a irresponsabilidade, o risco e o perigo de perder vidas e dilacerar os pilares de uma economia sustentável.

Porto Alegre é banhada por um lago, chamado Guaíba, que recebe cinco afluentes, chamados de Gravataí, Taquari, Caí, Jacuí e Sinos. Este lago, se encaminha para a Lagoa dos Patos, que deságua no oceano. A enchente em Porto Alegre acontece na medida que o volume de água dos afluentes aumenta em razão das chuvas e a capacidade do lago atinge seu limite, transbordando para dentro da cidade.

A falta de estrutura para evitar a crise nos leva inevitavelmente a um ponto de reflexão que vai muito além do Rio Grande do Sul. A ocupação de encostas no Rio de Janeiro, a contaminação do Rio Doce por dejetos em Minas Gerais e tantas outras ações como construção de cidades em planícies de inundação, são ações que acabam por cobrar um alto preço na medida que o descuido e o negacionismo se tornam moeda corrente em nossas políticas públicas.

Os gestores públicos também precisam encarar o resultado de sua irresponsabilidade. A Prefeitura de Porto Alegre não investiu um real sequer em prevenção a enchentes em 2023. Até chegar a zero, o investimento para prevenção a enchentes caiu dois anos seguidos e o item chamado "melhoria no sistema contra cheias", não recebeu recursos ano passado. A mesma situação ocorre com o departamento que cuida da área de águas e esgotos, que opera atualmente com a metade dos funcionários que tinha em 2013.

Entretanto, para além dos culpados, enquanto os gaúchos ainda contam suas vítimas e resgatam sobreviventes, esta tragédia deveria servir para unir o nosso país, por meio do diálogo e união, conversando sobre medidas resolutivas, diretas e objetivas para os desafios que ainda virão adiante, longe das diferenças partidárias e ideológicas. Porém, vemos nossos líderes fazendo política com o desastre, adotando discursos baratos e batidos, falando em orçamento de guerra sem qualquer coordenação ou transparência sobre uso e aplicação dos recursos. No país da impunidade, estamos diante da receita ideal para o desvio e demagogia, uma aliança perfeita para perpetuar o atraso.

A mensagem recebida pela tragédia é objetiva: Faz-se necessário discutir os efeitos das mudanças climáticas ao invés de rejeitá-las por simples ranço ideológico e aqueles que enfrentarão as urnas este ano estão obrigados a lembrar do brutal recado recebido por esta tragédia. Ainda estamos no momento de doação e salvamento. Porém, devemos aprender com as lições deixadas pela força e volume das águas. A reconstrução deve levar em consideração aspectos ambientais que impedem novos desastres, como evitar construir em encostas e planícies de inundação, manter intacta a mata ciliar e os rios limpos. A enchente de 2024 deixa um brutal recado. Rejeitá-lo é flertar com o caos e se tornar corresponsável por possíveis tragédias futuras. Já passou do tempo de o Brasil parar de brigar com meio-ambiente, entendendo que esta parceria é o mais importante ativo de nosso país.

*Presidente do Instituto Monitor da Democracia e Conselheiro da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig). Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal