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Dirceu como Josef K, entre a antipolítica e a sobrevivência

Por Carlos Almeida Filho*

Recente decisão do Supremo extinguiu um dos últimos processos contra José Dirceu. O Tribunal sequer analisou o mérito da questão, exterminando o processo ante o advento da prescrição. Mas isso não impede uma análise serena do quadro, diante mesmo da nota do ex-Ministro: "Tive o meu mandato cassado por razões políticas e sem provas. Sofri processos kafkianos para me tirar da vida política e institucional do País.". Está certo! E explico.

Kafka faz uma alegoria interessante em "O Processo", contando como Josef K., acusado de sabe-se-lá-o-quê, se vê às voltas buscando ajuda em instâncias e personalidades obscuras para se ver livre de penalidade que não tem muita noção. Não importa o que faça, seu destino é fatal. O insólito é que tal alegoria acabou se tornando uma realidade palpável após anos de fomento ao lavajatismo: nalgum momento alguém deve (ou pode, ou precisa) ser acusado de alguma coisa e assim, sem nenhuma responsabilidade, se abriam processos, investigações e se deflagraram escutas, interceptações, conduções coercitivas e prisões temporárias. Estas, que demoravam anos, a fazer dos alvos - esse o nome correto -, instrumento de um joguete de pressão, que se configurava como clara tortura, a poderem cantar nos autos tudo aquilo que convinha à instrução, ou melhor, aos interesses dos algozes, políticos incubados, como bem revelou a "Operação Spoofing".

Dito isso, cabe sempre rememorar que o movimento de antipolítica que cresceu notadamente a partir em 2013, não foi gestado unicamente pelas mentes da Lava-Jato, mas sim por todo um coreto de cúmplices que queria mesmo ver o circo pegar fogo: a grande imprensa bradava que o governo era sinônimo de corrupção, e generalizava: governo é corrupção, levando todos à conclusão de que políticos são, portanto, corruptos; só que o governo alvo era o governo federal, e era petista, "e como pode isso?!" deveriam se questionar todos eles: "como pode, sem a nossa autorização?" e a cantilena seguia dia-após-dia, abrindo espaço para todo tipo de especulação possível, afinal de contas, alguém tinha de ser punido! E para isso a Lava-Jato veio bem a calhar!

*Doutor em Direito, pesquisador e Defensor Público do Estado do Amazonas