Por: Murilo Adjuto e Mia Andrade

Ceará lança grupo de trabalho contra LGBTfobia nos estádios

Parceria entre clubes, torcidas organizadas e governo visa garantir segurança e inclusão no futebol | Foto: Divulgação

Representantes de torcidas organizadas e dos principais clubes de futebol do Ceará, juntamente com membros de secretarias estaduais e entidades da sociedade civil, lançaram o Grupo de Trabalho de Enfrentamento à LGBTfobia nos Estádios. A iniciativa visa garantir a segurança e a inclusão nos ambientes esportivos do estado.

O movimento, lançado em maio e apoiado por 22 instituições governamentais, busca combater a discriminação nos estádios e promover um ambiente acolhedor para todos os torcedores e profissionais do futebol, o esporte mais popular do Brasil.

O Grupo de Trabalho será co-presidido por Mitchelle Meira, titular da Secretaria da Diversidade (Sediv), e Rogério Pinheiro, titular da Secretaria do Esporte (Sesporte). Essa parceria representa o compromisso do governo cearense em enfrentar a LGBTfobia de maneira estruturada. A cerimônia de lançamento contou com a presença de Symmy Larrat, secretária Nacional dos Direitos da População LGBTQIA+ no Ministério dos Direitos Humanos, destacando a importância nacional dessa iniciativa.

O objetivo principal do grupo é transformar os estádios cearenses em espaços onde a diversidade é respeitada e celebrada. Para isso, serão desenvolvidas ações estratégicas, incluindo a implementação de programas educativos para torcedores, funcionários dos estádios e profissionais do esporte, campanhas públicas para combater estereótipos prejudiciais e o estabelecimento de diretrizes claras e medidas punitivas contra atos de homofobia.

A necessidade desse grupo foi reforçada mais ainda no amistoso entre Brasil e México, realizado em 8 de junho, quando cânticos homofóbicos da torcida mexicana levaram à paralisação da partida por um minuto. Após o incidente, o jogo foi retomado sem punições para a Federação Mexicana de Futebol (FMF).

Prevenção

Ao Correio da Manhã, a defensora pública, Flávia Albaine afirma que a criação do grupo de trabalho trará um impacto positivo tanto para a comunidade LGBT quanto para a população, tendo em vista que o Brasil segue sendo um dos países que mais mata pessoas da comunidade. Segundo dados divulgados pela ONG, Grupo Gay da Bahia (GGB), o país registrou cerca de 257 mortes de pessoas LGBTQIA+.

“A criação desse grupo de trabalho de enfrentamento LGBTfobia em estádios é muito importante. E o futebol, o esporte, ele tem como objetivo exatamente trazer a união, trazer a parceria, trazer o respeito à diversidade. Quando ocorrem casos de homofobia nos estádios de futebol, na verdade estamos distorcendo o objetivo do esporte, que é agregar e unir”, explica.

A defensora enfatiza que a prevenção e campanhas informativas são medidas essenciais para evitar casos desse tipo. Para ela, é urgente combater eficazmente atos de homofobia nos ambientes esportivos, buscando punições mais rigorosas que garantam a segurança da comunidade durante as práticas esportivas. “A prevenção ocorre por meio da conscientização e da educação em direitos. Portanto, realizar campanhas informativas é fundamental para promover um debate saudável e relevante, sensibilizando as pessoas sobre essas questões e alertando para a sua ocorrência, a fim de evitar que aconteçam. Além disso, é crucial atuar na punição: se ocorrerem casos, é essencial que haja uma punição adequada para os responsáveis pela violência, garantindo que sejam devidamente responsabilizados”.

Torcida

Segundo a torcedora do Ceará Sporting Club, Jéssica Miranda, estudante de Ciências Sociais na Universidade Estadual do Ceará, ser uma mulher que faz parte da comunidade LGBTQIA+ e frequentar estádios de futebol nem sempre é uma tarefa fácil. “Como torcedora LGBT nos estádios, considero que o primeiro alerta é pela minha condição de mulher e torcedora. Na maioria dos jogos em que não estou com minha namorada, estou acompanhada por familiares ou amigos destes, às vezes até por pessoas desconhecidas que compõem o grupo. Tenho certeza de que muitas situações que não ocorreram comigo foram influenciadas por essas companhias, não porque o ambiente seja necessariamente seguro para uma mulher estar”.

Jéssica afirma que assistir aos jogos de futebol com a namorada as coloca em posição de alerta, torcendo para que tudo ocorra de forma segura. "Socialmente, não sou percebida fisicamente como LGBT, então muitas vezes sou considerada 'passável', o que implica que não pareço LGBT à primeira vista. Quando estou com minha namorada, o estado de alerta é constante. Primeiro, porque somos mulheres, e segundo, por sermos um casal que não se reprime; expressamos afeto livremente, como dar as mãos ou trocar carinhos, coisas que casais heterossexuais podem e devem fazer, incluindo comemorar um simples gol."

A torcedora do Ceará acredita que para que os crimes de homofobia sejam evitados, é preciso que haja penalização e conscientização aos torcedores. "Os clubes precisam priorizar, inicialmente, as questões de punição direcionadas aos times, pois acredito que os torcedores só levam a sério quando isso afeta diretamente seu próprio time. Portanto, não adianta punir alguns clubes com questões relacionadas à pontuação e classificação, enquanto outros escapam impunes. Deve ser algo mais abrangente e realmente haver alguma forma de penalização aos próprios torcedores, porque se algo é considerado crime em todos os espaços da cidade, deve ser considerado crime também dentro do estádio. O estádio é cercado por câmeras, o que permite a identificação das pessoas presentes, e é preciso tratar isso como crime e efetuar as penalizações devidas nesse sentido", opina.

"Os principais clubes do estado do Ceará têm atualmente torcedores LGBTs, e é essencial fortalecer essas relações entre o clube, as torcidas LGBTs e as principais torcidas organizadas. Isso deve começar desde a base. Ser LGBT não implica automaticamente a responsabilidade de educar e reeducar uma geração que perpetua preconceitos há décadas. Todas as medidas e instituições que abordam juventude, diversidade, inclusão e acessibilidade devem ser implementadas da melhor maneira possível, seja dentro do estádio, nas redes sociais ou na sede do clube. O futebol e seus times devem verdadeiramente representar todos, não apenas uma parte que se diz inclusiva", aponta Jéssica.

A brasiliense Danielle dos Santos, torcedora do São Paulo Futebol Clube, descreve como os incidentes de lesbofobia impactaram sua paixão pelo futebol e sua disposição de frequentar estádios e eventos esportivos. Segundo ela, "Cada dia se torna um pouco mais difícil. Já faz mais de 5 meses desde que parei de frequentar a casa da torcida organizada onde eu ia em todos os jogos. Até hoje, me sinto completamente desconfortável, especialmente com os gritos de guerra que são levados tão a sério pelas torcidas e que expressam plenamente a homofobia e a transfobia. Digo 'até hoje' porque, depois de frequentar tanto tempo, você meio que se acostuma com essas hostilidades, quase se anestesia.”

Ela relata enfrentar diretamente olhares e comentários dirigidos a ela devido à sua aparência. "Atualmente, enfrento olhares desconfortáveis, especialmente por não performar feminilidade sendo mulher desfem. Evito comparecer aos jogos do meu time no estádio, o que ajuda bastante, considerando a escassez de partidas aqui em Brasília. No entanto, é extremamente estressante lidar com cânticos homofóbicos relacionados ao termo 'Bambi' e com homens que acham que têm o direito de tudo a qualquer momento."

"Acredito que hoje as instituições esportivas já começaram a 'lutar' pela causa com algumas campanhas que são adotadas pelos clubes em meses de visibilidade, por exemplo", observa Danielle.

Ela destaca que, embora essas iniciativas representam um avanço significativo, ainda há muito a ser feito para criar um ambiente seguro nos estádios. "Isso de longe já é um grande passo e que deixa um pouco mais de conforto pra nós torcedores que sofremos nesse cenário. Ainda sim, nos estádios o ambiente está longe de ser seguro, de começar a me sentir segura."

Para ela, a criação de grupos de trabalho e ações para conscientização e educação são uma forma de reduzir a homofobia nos estádios. “Programas representados por pessoas LGBTQIA+, bancas de conscientização dentro e fora dos estádios, matérias que tragam segurança e que possam ser lidos por todos”.

Danielle também menciona a importância de eventos beneficentes que promovam a inclusão, como "jogos beneficentes com times mistos com jogadores profissionais e a comunidade anônima juntos pela mesma causa”.