Melhor para o Brasil que a reforma do Judiciário venha de dentro

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Por Isaac Jordão Sassi*

A votação do chamado Pacote anti-STF na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara acendeu diversas luzes no mais importante tribunal do país. O ministro Gilmar Mendes entrou em campo e o presidente Arthur Lira indicou que estas propostas não seriam pautadas durante o seu mandato. Acontece que há um longo caminho até o Plenário e muito dificilmente as matérias estariam prontas para votação até lá, caso fosse seguido o rito comum. Tem ainda muito espaço de negociação nesta tramitação.

Sobre as votações, que incluem duas propostas de emenda à Constituição e dois projetos de lei, o presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso, apontou em discurso na quinta-feira, dia 10, duas coisas. Uma que era sua mensagem principal e outra que saiu quase como um ato falho. Ao afirmar que interesses políticos de ocasião não podem mexer "em instituições que estão funcionando e cumprindo bem a sua missão" o ministro deixou escapar aquele que é o maior problema real do judiciário: a sua resistência obstinada a aceitar quaisquer mudanças que impliquem em controle dos seus membros.

Dentre os assuntos que motivam o avanço desta pauta estão as de caráter ideológico, como a ideia de que o STF atropela o legislativo, o que traz adesão da extrema-direita; mais recentemente a decisão do ministro Flávio Dino de interromper quase completamente a execução das emendas parlamentares, o que traz a adesão da ala mais fisiológica do Congresso; e há também a percepção de que o Poder Judiciário precisa de uma reforma urgente.

Por um lado, é inegável o papel fundamental que o poder judiciário exerceu e segue exercendo no Brasil, garantindo a normalidade institucional, a democracia e a realização de eleições livres e limpas.

Por outro, as recorrentes notícias de vendas de sentenças, de má-conduta por parte de magistrados e até mesmo de relações estranhas entre os próprios ministros e escritórios de advocacia de seus familiares continuam a causar espanto na sociedade sem que haja respostas adequadas aos problemas do Judiciário que afligem toda a população: a demora nas decisões, os benefícios funcionais, como férias de 60 dias, vencimento por substituição e, em caso de malversação, pena máxima de aposentadoria com vencimentos proporcionais - a demissão só pode ser aplicada em situações específicas e raras - que não encontram qualquer sustentação na realidade do país ou sequer no orçamento público que sustenta toda a estrutura do Estado. A concessão de auxílio-moradia, inclusive para os residentes na comarca e pago em dobro para casais de magistrados, é outro exemplo de absurdo mantido como forma de negociar aumentos para a carreira ou de juízes que, sob a desculpa de dar aulas, passaram a vender cursos e palestras se utilizando da toga como agregadora de valor ou até mesmo o caso em que o magistrado comprou um carro de luxo num leilão judicial com objetivo de o revender com lucro - foi condenado com a aposentadoria.

Há vários problemas no Judiciário que precisam de respostas. A grande questão é que o Judiciário tem se fugido abertamente deste debate. A Lei Orgânica da Magistratura segue inalterada desde 1986 e neste tempo estes abusos escondidos sob o verniz da lei seguiram prosperando e se multiplicando.

Ter um Poder Judiciário independente, autônomo e que seja obedecido é um dos critérios necessários para que exista uma democracia plena. Acrescenta-se ainda que a Justiça tem suas peculiaridades e necessidades que são desconhecidas por aqueles que não fazem parte do dia-a-dia de sua operação. Por isso é fundamental que a reforma do Poder Judiciário seja proposta e iniciada por ele mesmo, sob o risco de que terceiros, neste caso o Congresso, iniciem um processo de reforma que será necessariamente manco e ineficaz, com resultados ainda piores para o Judiciário e para o Brasil como um todo.

A manutenção destes privilégios é onerosa ao contribuinte e não possui qualquer justificativa que não seja a manutenção dos privilégios de classe. É importante fortalecer o judiciário, e para isso é importante que ele seja reformado e que esta proposta seja coordenada por seus membros. Antes que o Congresso Nacional tenha que fazer o dever de casa do colega.

*Cientista Político e mestre em teoria política.