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GAASP emite carta sobre uso do termo 'adotivo' em notícias

No último dia 20 de maio, um adolescente de 16 anos matou seus pais e a irmã a tiros dentro de casa na Zona Oeste de São Paulo. O caso tomou proporção nacional e veículos de comunicação destacaram o fato de ele ser adotado e isso gerou uma série de críticas já que para muitos, não era necessária essa informação estar em foco, pois se o caso tivesse acontecido com um filho biológico, esta segunda palavra dificilmente estaria em destaque.

Diante do caso, o Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo (GAASP) emitiu uma carta aberta aos veículos de comunicação que o Correio da Manhã teve acesso. No documento, uma nova ótica sobre o uso do termo "adotivo" nas notícias. Confira o texto abaixo:

"Em plena semana de comemoração do Dia Nacional da Adoção (25 de maio), mais uma vez nos deparamos com uma notícia que envolve crime e a utilização do termo "adotivo" em destaque, como um adjetivo que validaria os motivos pelo qual o crime foi cometido. E por que nós, do universo da adoção, fazemos essa leitura? Porque os outros tipos de parentalidade não são destacados quando o mesmo acontece em famílias cuja parentalidade é biológica. E, nesse recorte, temos mais questões a serem destacadas, como a realidade da família, a etnia e outros tópicos.

Aonde queremos chegar com essa reflexão? Ao questionamento acerca do real motivo de usar o termo "adotivo" nesse tipo de matéria. Qual é a razão de destacar a via de parentalidade só quando é o filho é adotivo e quando o tema da matéria é algo negativo, criminoso, condenável? Alguma matéria cita "Suzane, filha biológica"? Alguma outra fala se o filho homicida é fruto de fertilização in vitro?

Não!

Quando há laços de adoção, contudo, sempre é destacado o viés da filiação, considerada de menor valor ou, como nos parece nesse caso, como endosso para o fato de o adolescente ser "desajustado" e ter matado os pais. É como se a adoção fosse parte do motivador do crime. Se lermos os comentários nas matérias e nos posts das redes sociais, então, vamos deparar com gente dizendo que a família "pegou uma cobra pra criar". E quem "pegou pra criar" a Suzane ou esse menino de 13 anos? Quem os criou para assassinarem seus pais e irmãos por motivos que vão de celulares e tarefas domésticas a heranças milionárias?

E qual é o maior impacto disso tudo?

Os maiores impactados são famílias por adoção já existentes, que passam a ser apontadas como possíveis vítimas dos filhos adotivos, que só por terem vindo de realidades complexas e difíceis "certamente serão criminosos", de acordo com esse viés. Isso sem falar nas famílias que estão iniciando o processo e passam a repensar se querem de fato adotar; afinal, ninguém da família vai apoiar essa escolha, não é mesmo? Como os profissionais que atendem as crianças que vêm por adoção vão olhar para elas? Como os futuros tios e tias vão aceitar deixar o "sobrinho adotivo" dormir em sua casa se a mídia etiqueta os adotivos como problemáticos?

Quantos dos que leram ou estão lendo a matéria conhecem movimentos de valorização da história do adotivo, como a Adotiva (Associação Brasileira de Pessoas Adotadas), ou conteúdos como o da Adotivas Podcast, o Olhar Adotivo?

Já passou o tempo de os meios de comunicação, as redes sociais, os influenciadores, enfim, aqueles que têm voz ativa na sociedade, utilizarem sua força de forma positiva para conscientizar a sociedade sobre a parentalidade por adoção, que é tão válida e legal quanto qualquer outra. É preciso parar de etiquetar as famílias adotivas como se esse fosse o único fator que influencia toda e qualquer outra questão pela qual essas famílias venham a passar. É necessário parar de permitir que os outros enxerguem essas famílias como famílias de menor valor e que se vejam no direito de intervir, influenciar ou mesmo invalidar esses laços.

A parentalidade adotiva existe desde sempre em nossa sociedade - basta estudar história e ver que as famílias criavam os filhos umas das outras sem esse viés preconceituoso. Adoção é mais do que um papel, é uma ação!

O objetivo desta carta aberta é propor reflexão e não acusar ou atacar veículos de comunicação ou jornalistas. É propor uma nova ótica sobre o uso do termo "adotivo" nas notícias. A citação dos trechos das matérias tem por objetivo somente o fator comparativo e não a exposição dos envolvidos".