Por: Gabriela Gallo

Conheça histórias de quem lutou contra as águas no Rio Grande do Sul

Cenário de guerra provocado pelas águas no Sul | Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

As fortes enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul (RS) completaram dois meses, nesta quinta-feira (27). No momento, o estado passa por um momento de reconstrução do estado. Segundo o último boletim da Defesa Civil, divulgado na segunda-feira (24), foram confirmadas 178 mortes, 34 desaparecidos e 806 feridos. Foram atingidos 478 municípios e 388.781 pessoas seguem desalojadas. Com todo o estrago feito em dois meses, diversos gaúchos tiveram de seguir suas vidas e ainda atuar para ajudar o resto da população atuando na linha de frente. Essas pessoas foram, ao mesmo tempo, voluntárias e vítimas.

Um exemplo é a psicóloga e servidora pública Fernanda Bassani, que trabalha com o Departamento de Saúde da Polícia Civil do estado. Ao Correio da Manhã, Fernanda contou que antes da chuva assolar Porto Alegre, parte da família dela ficou desalojada devido às enchentes. Nisso, a água tomou conta da casa de um sobrinho e uma tia, que ficaram alojados na casa dela. Em uma segunda-feira, ela saiu para trabalhar e recebeu uma ligação. Teve de voltar correndo para casa para retirar os parentes e salvar sua cachorrinha. Felizmente, nenhuma vida foi perdida, mas a psicóloga, que mora no sétimo andar de um prédio, passou 20 dias sem conseguir voltar para casa, já que o térreo e o primeiro andar estavam completamente alagados. Ela buscou abrigo na casa de um amigo e continuou lá até conseguir retornar.

Desafios

Como grande parte dos gaúchos atingidos, Fernanda teve de conciliar os desafios que vinha enfrentando na sua vida pessoal com os desafios profissionais, sem deixar de trabalhar. E, para além dos danos psicológicos na incerteza de segurança, houve os danos físicos, com falta de luz, água e medicamentos. “Chegou um momento em que eu entrei de férias e desabei. Fiquei sete dias de cama com problemas gastrointestinais devido a água [contaminada]. Faltou água em todos os supermercados e as doações chegavam primeiro nos abrigos”, contou Fernanda.

Ela detalhou que, para as casas não ficarem completamente sem água, os próprios moradores de Porto Alegre se uniram em uma rede de apoio com pessoas que tinham poços artesanais em suas casas ou perto delas. Dessa forma, esses moradores ofereciam a água dos poços para os demais que precisavam.

Mesmo assim, a psicóloga institucional não desanimou e usou seu trabalho como principal motivador para continuar seguindo em frente e lidando com os problemas gerais e pessoais. “Eu acho que umas das coisas mais motivadoras é você ver o seu trabalho, aquilo que você escolheu para a sua vida, ter um impacto positivo e decisivo na vida das pessoas. Essas pessoas que iam para os abrigos chegavam completamente desnorteada. Então, uma atuação psicológica era decisiva para a saúde mental delas”, disse.

Violão

Além de lidar do tratamento com os policiais civis, ela atuou como voluntária em um abrigo voltado para dependentes químicos. No passado, Fernanda trabalhou dez anos no sistema prisional, um dos motivos de ter escolhido trabalhar em abrigos com pessoas egressas do sistema prisional, dependentes químicos e pessoas em situação de rua. Nesses abrigos ela trabalhou três semanas e usou abordagem de psicologia da música.

“O meu violão não voltou até hoje”, ela contou rindo para a reportagem. “Mas nesses abrigos estavam reunidas muitas pessoas em situação de rua e regressos do sistema prisional. Então, são pessoas acostumadas a aproveitarem as oportunidades para garantir a sua sobrevivência”, contou. “O ideal era que os abrigos tivessem um treinamento especial para atender essas pessoas. Por exemplo, dependentes químicos tem um nível alto de ansiedade devido a abstinência, o que exige um cuidado específico. Mas tudo aconteceu tão rápido que não teve tempo de dar esse treinamento”, completou.

Segurança

Agora, do lado técnico e nos profissionais que atuaram na linha de frente, a reportagem também conversou com a secretária municipal de Segurança Pública de Pelotas, Cíntia Aires, que detalhou como foi o processo para auxiliar as pessoas atingidas pelas chuvas. Ela relatou que, apenas um mês após assumir a secretaria, começaram as enchentes, o que levou Cíntia a começar sua gestão já em máxima potência.

“Quando a gente está inserido nesses processos, parece que termos uma força sobrenatural para vencer aquela situação. O cansaço chega em algum momento. Mas eu entendo que eu sou um grão de areia nesse universo, onde uma infinitude de servidores públicos se uniu para conseguir dar conta de atender à necessidade da comunidade”

Fakes

Ao longo dos dois meses na luta contra as enchentes, o Rio Grande do Sul foi alvo de diversas notícias falsas, o que prejudicou os municípios gaúchos na hora de receber as doações. No caso de Pelotas, Cíntia relatou que a prefeita do município, Paula Mascarenhas (PSDB), realizou lives diariamente para esclarecer desinformações que circulavam na internet, não somente sobre doações, mas também sobre o papel e a atuação das forças de segurança e demais secretarias do estado. A imprensa também tinha acesso à sala de situação, o que contribuiu para desmentir notícias falsas.

Ela reforçou que o voluntariado juntamente com a atuação dos servidores públicos foi crucial para que o município não fosse atingido de forma tão intensa. “Quando a gente protege os munícipes, a gente está protegendo os nossos porque alguns são nossos familiares”, reforçou.