Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Não sei! Só sei que foi sucesso

O Auto da Compadecida 2 | Foto: Laura Campanella/Divulgação

Ao avaliar historicamente os números de frequência de público em salas de exibição, com base em cifras que só passaram a ser contabilizadas oficialmente em 1970, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) encontrou 254 títulos nacionais que ultrapassaram a marca de 1 milhão de ingressos vendidos, sendo os recordistas em volume de pagantes "Nada a Perder" (2018), de Alexandre Avancini (com 12.184.373 espectadoras/es) e "Minha Mãe É uma Peça 3" (2019), de Susana Garcia, que vendeu 11.608.254 tíquetes. Há um integrante a mais para essa lista hoje em circuito: "O Auto da Compadecida 2". Lançada no último 25 de dezembro, sob concorrência pesada de "Sonic 3" (que faturou US$ 211 milhões planeta adentro), a produção dirigida por Flávia Lacerda e Guel Arraes liderou o ranking de bilheteira do Brasil no dia de Natal, ao ser visto por cerca de 176 mil pessoas em 836 salas de 471 complexos, em cerca de 24 horas.

Em seus cinco primeiros dias de tela, o regresso de João Grilo e seu amigo Chicó levou 842 mil pessoas ao circuito em todo o país, fechando o domingo já milionário.

Foi a maior receita de abertura de um filme brasileiro desde a pandemia. Logo após seu lançamento natalino, no dia 26, "O Auto 2" expandiu sua ocupação de mercado para 1152 salas de 650 multiplexes, num momento em que o todo-poderoso "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme de Língua Não Inglesa e de Melhor Atriz (Fernanda Torres), chegou à marca de 3 milhões de ingressos vendidos, ao longo de dois meses em cartaz.

Baseado no romance homônimo de Marcelo Rubens Paiva sobre o desaparecimento de seu pai nos porões da ditadura, o drama de Salles é o recordista brasileiro de mobilização de plateias de 2024. Choveu ingresso vendido na conta do Brasil no abre-alas do ano, ali entre janeiro e março, no avançar de multidões que prestigiaram "Minha Irmã e Eu" (2,2 milhões de entradas vendidas), "Nosso Lar 2- Os Mensageiros" (1,6 milhão), "Os Farofeiros 2" (1,8 milhão) e "Mamonas Assassinas" (cerca de 900 mil). Depois desse bonde, as receitas encolheram, até um novo sopro aparecer, no fim do segundo semestre, a partir de especulações sobre possíveis (e merecidas) indicações ao Oscar em volta do mais recente trabalho do diretor de "Central do Brasil" (Urso de Ouro de 1998). Neste domingo, Salles pode sair da festa dos Golden Globes, no Beverly Hilton, nos EUA, com uma láurea capaz de ampliar sua visibilidade pelo planisfério cinéfilo. O prêmio de Melhor Roteiro que ganhou no Festival de Veneza é seu cartão de visitas.

Enquanto isso, do Acre ao Rio Grande do Sul, "O Auto da Compadecida 2" amplia seus lucros, à força de Matheus Nachtergaele e Selton Mello na hilária trama derivada do universo teatral de Ariano Suassuna (1927-2014), a partir da peça de sua autoria, encenada pela primeira vez em 1956. O texto foi filmado antes por Roberto Farias (1932-2018) com os Trapalhões, em 1987 (e vendeu 2,6 milhões de ingressos), e tornou-se minissérie na TV Globo, em 1999 - hoje no ar no streaming Globoplay -, com direção do próprio Guel Arraes. Cerca de dois anos após sua estreia na telinha, aquela versão radicalmente inovadora para os moldes narrativos da televisão (na edição e na forma de interpretação dos diálogos cômicos) ganhou um corte para o cinema, e consagrou-se nas bilheteiras. Vendeu 2.157.166 ingressos. A parte dois pode vender bem mais e tem chance de desafiar a concorrência de Hollywood, nas férias de janeiro. A hegemonia dos EUA sobre a lotação de complexos exibidores há de ser peitada também por "Chico Bento E A Goiabeira Maraviosa", de Fernando Fraiha, que estreia no próximo dia 9.

De janeiro para cá, a máquina hollywoodiana bateu a fronteira do bilhão duas vezes, com dois longas da Disney: a animação "Divertida Mente 2" e a aventura decalcada das HQs da Marvel "Deadpool & Wolverine". Outra potência animada do estúdio de Mickey Mouse, "Moana 2" vai fechar dezembro esgotando a lotação de suas projeções.

Segundo o portal Box-Office Mojo, que analisa o mercado cinematográfico, o primeiro filme não estadunidense a figurar no pódio das maiores receitas globais deste ano (em 34° lugar) é o desenho japonês "Detective Conan: The Million-Dollar Pentagram", que faturou cerca de US$ 108 milhões. Logo abaixo dele figura seu conterrâneo "Haikyu!! The Dumpster Battle", em 37ª posição, com US$ 100 milhões de faturamento. Em 40° lugar aparece a Coreia do Sul, graças ao êxito do thriller "Exhuma", que arrecadou US$ 93 milhões.

Na Europa, a França fez a festa nos últimos 12 meses, contabilizando um blockbuster atrás do outro. Com a comédia "Un P'tit Truc En Plus" (seu maior êxito), a indústria francesa vendeu 10,8 milhões de ingressos. Com o épico, "O Conde de Monte-Cristo", recém-chegado ao Brasil, somou mais uns 9,2 milhões de espectadoras/es. Estima-se que suas cifras se mantenham altas em 2025. É o trabalho que a Unifrance terá no alvorecer do ano que vem.

Esse é o órgão do governo francês cuja missão é assegurar a circulação mundial dos filmes feitos em solo parisiense, em Marselha, em Nice, em Nantes e arredores, realizando um evento anual, chamado Rendez-vous Avec Le Cinéma Français para atrair distribuidores e a mídia. Trata-se de um fórum organizado no hotel Sofitel Arc de Triomphe, em Paris, sempre em janeiro. Desta vez, vai ser de 14/1 a 21/1. Sua programação de exibições e entrevistas mobiliza estrelas e cineastas. Por lá devem passar talentos como a diretora Audrey Diwann - que abriu o Festival de San Sebastián, em setembro, com o remake de "Emmanuelle" - e a diva Isabelle Huppert, que presidiu o júri do Festival de Veneza, em agosto. Das novidades que devem espocar por lá, destacam-se a sci-fi "Chien 51", de Cédric Jimenez; a biopic em duas partes "De Gaulle", de Antonin Baudry; a fantasia "Kaamelott: The Second Chapter", que dá continuação ao recordita homônimo de público de 2020, sobre a Távola Redonda; a chanchada "Les Tuche: God Save the Tuche", com o Didi Mocó do Velho Mundo, Jean-Paul Rouve; e o thriller "13 Jours 13 Nuits", de Martin Bourboulon. Tudo isso há de renovar a velha máxima de que cinema é a maior diversão.

Mesmo com a concorrência dos streamings e esvaziamentos contínuos, o circuito mundial teve um 2024 recheado de acertos. Que 2025 repita, ou supere, essa marca.