Por: Redação

Como manter a qualidade na prestação dos serviços em um mundo em que quase tudo que racha já não serve mais

 

A prestação de serviços muito se assemelha a atividade mercantil quando dar-se-á de forma pontual, como uma pintura no carro, uma legalização de empresa, uma viagem de avião. Esses e outros inúmeros exemplos que poderíamos comentar, uma vez que sejam feitos da maneira acordada, irão gerar resultado pleno e em qualquer pesquisa de satisfação, como NPS (net promoter score - modelo que mede a pontuação das chances de promoção ou recomendação de uma companhia por parte de sua rede de clientes) possivelmente alcançará médias altas, as mais altas.

Assim ocorre na compra de produtos, você vai até a loja, compra um telefone novo, rapidamente também adquire uma nova capa, uma nova película e aquele aparelho, se transforma num bem prazeroso, assim o é na compra de uma televisão, ou qualquer outro bem tangível que satisfaça aquilo que se propôs a fazer.

Mas este artigo não está enviesado para tratar dessa qualidade pontual e, sim, da difícil arte de manter clientes satisfeitos todo o tempo quando se trata de serviços recorrentes. Digo isso porque experimentamos todos os dias grandes surpresas, motivadas por pequenas falhas, ou pequenos esquecimentos que acabam por se transformar em minúsculas rachaduras, mas que são suficientes para desmontar anos de convivência pacífica, anos de trabalho conjunto e coletivo.

Mas porque estamos vivendo tempos assim? Por que nossa intolerância está nesse nível absurdo onde imaginamos o perfeito e esquecemos que somos apenas perfectíveis? Qualidade é algo que se busca em tudo (e aqui podemos tirar desse mapa aquelas empresas que já nascem com vícios ou já direcionadas à simulação e fraude), acredito que não haja uma empresa sequer que não busque incessantemente prestar serviços, vender produtos, atender clientes e consumidores de forma ímpar, pois isso é natural do empresário, empreendedor, do sonho, de times de alta performance.

Como então manter a qualidade inabalável quando há um ciclo ininterrupto na prestação dos serviços? Imaginemos coisas simples, acredito que você não dorme bem todos os dias, não está disposto todos os dias, que há aqueles momentos em que sim, a cama fica para ser arrumada depois, a louça para outro dia, e tudo bem, faz parte do aprendizado humano saber lidar com momentos diversos, mas então por que essa reciprocidade não existe na troca entre as pessoas jurídicas? O que está havendo com as alianças estratégicas?

No mundo de hoje é muito fácil conceituarmos qualidade, ela se resume a uma simples equação, Qualidade = fazer com eficácia (certo) e eficiência (rápido). Mas isso é impossível em ciclos cuja temporalidade não cessa, vejamos um exemplo: você leitor possui uma empresa de limpeza de aparelhos condicionadores de ar, possui contrato de limpeza recorrente há pelo menos 5 (cinco) anos, e nesse período nunca teve sequer um problema de vazamento, mas infelizmente ocorre em algum momento um grande vazamento motivado por um erro do seu colaborador, que eventualmente estava em um dia ruim, triste, desmotivado, ou simplesmente com problemas pessoais dos quais você não sabe, não conhece. Ocorre então o erro, a falha, a rachadura citada, e a resposta da contratante dos seus serviços após 5 longos anos de trabalhos exemplares é, isso é inadmissível, estamos realizando o distrato com sua empresa pois o serviço não é mais o mesmo.

Vejam que não queremos aqui facilitar o erro, dar sentido ao deselegante momento em que ocorre uma desconformidade ou imperícia, e sim salientar que precisamos ser mais tolerantes, precisamos ser, pois estamos criando um mecanismo de cobrança desumano que sabota pequenas, médias e grandes empresas, num ciclo impiedoso que age como se o mundo fosse controlado e perfeito, mas sabemos não é, nem controlado nem perfeito.

Serviços recorrentes são e sempre serão aqueles mais expostos ao erro, mais propensos ao desacordo, e certamente em algum momento da linha do tempo precisam ser revisados, reconduzidos, recompostos. Adequar e seguir, ajustar e avançar, dar tempo para o conserto, dar espaço para a correção.

Posso legislar em causa própria, dirijo uma empresa de serviços de Controladoria, Compliance e Contabilidade, e 95% de nossos clientes são recorrentes, o que obviamente é excelente, mas que notoriamente recai exatamente sobre o que aqui escrevo, sabemos que em algum momento nosso cliente ficará insatisfeito, e essa é uma certeza. Diante disso, o que fazer? Como alcançar a reciprocidade entre as partes?

Não temos resposta para isso, mas ao longo dos anos (temos 16 anos de corpo empresarial) fomos adaptando nossas condutas, e agora exercemos atendimento por curvas, semelhante a curva ABC de prioridade. Agora exercemos mais entregas a quem de fato solicita e possui sinergia empresarial com os serviços que nos propomos a entregar, reduzindo as entregas e as cobranças nos clientes que vamos identificando como menos sinérgicos.

Aprendemos que dar qualidade a todos é dar qualidade a nenhum. Aprendermos que ofertar o melhor a todos é não permitir que os melhores usufruam da sua estratégia. E não há demérito em ser cliente A, B, C, há apenas alinhamento de expectativas, acordamos algo em comum para cada cliente, e assim entramos mais facilmente e melhor armados na infinita iniciativa de criar padrões de qualidade aplicáveis aos níveis de serviços dedicados a cada categorização de clientes.

Não podemos obrigar que todos queiram “consertar vasos rachados”, mas podemos decidir estrategicamente que algumas rachaduras estarão dentro do risco aceitável de perdas, e esse é o momento em que o empresário amadurecerá e perceberá que ninguém ganha sempre, e que muitas vezes precisamos aprender a perder.

Meus sinceros votos a todos os colaboradores e empresários que diariamente lutam e andam na corda bamba que é fazer certo e rápido hoje e sempre. Que possamos reaprender a conviver, certos de que perfectíveis somos, perfeitos jamais seremos.


* Sérvulo Mendonça é fundador e Diretor Geral do Grupo Epicus Outlier.

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