Weber traz Roe contra Wade para o Brasil

Por Barros Miranda*

Quis o destino que um dos temas mais polêmicos do país fosse para o Supremo Tribunal Federal, o chamado STF. E mais ainda, que sua relatoria fosse de uma pessoa ligada a ele. Em seus últimos dias como ministra e magistrada, já que em outubro completa 75 anos e se aposenta compulsoriamente, Rosa Weber pôs na roda de discussões da Suprema Corte um caso que reascendeu uma polêmica nos Estados Unidos e que até hoje perdura: o aborto.

O emblemático Roe contra Wade, da década de 1970, permitiu que o procedimento fosse adotado no vizinho americano. Com a mudança da Suprema Corte de lá para uma tendência mais conservadora, o entendimento fora desfeito. Porém, a constituição norte-americana dá mais prerrogativas aos estados do que a União de modo geral. Com isso, federações cuja população tinha a ciência de que o aborto não era algo ruim, fizeram gatilhos em suas leis para permitir o procedimento, caso o entendimento de Roe contra Wade fosse derrubado. Dito e feito.

Aqui no Brasil, o Código Penal de 1940, nos artigos 124 a 128, trata do tema. Neles, o aborto é considerado crime, mas há duas brechas para ele ser feito, sem detenção: em caso de estupro e quando a mãe tem risco de vida. No início do século XXI, o STF ajuizou um terceiro caso de aborto: quando o feto tem anencefalia.

Uma cutucada do PSOL nos artigos 124 e 126 do Código Penal, que tratam de crime o aborto com a vontade da progenitora, fez transportar o emblemático caso Roe contra Wade para o Brasil, numa composição mais conservadora já vista do Congresso Nacional, num governo de tendências mais progressistas e num plenário do STF bem misturado.

O voto de Weber é, juridicamente, uma aula de Direito. Suas posições, à base da lei, são diretas e objetivas, dando a mulher o direito de ter ou não o bebê, conforme a sua necessidade física, mental e econômica. Porém, conceder a interrupção da gravidez até os três meses provocou uma onda de discussões no país, principalmente entre os mais conservadores e cristãos.

Se foi uma manobra premeditada ou não, ficará dentro da Suprema Corte até alguém revelar, mas Weber pautar a ação em plenário virtual e o seu sucessor na presidência do STF, Luís Roberto Barroso, pedir destaque e levar o caso para o plenário físico, preservando o voto da ministra, dá a entender que o assunto será debatido em um breve momento. Resta saber quando. Muito provavelmente com a composição de 11 ministros novamente.

O Brasil terá um Roe contra Wade, mas não da forma de uma mulher contra o médico ou estado. E sim, se a lei de 1940 ainda perdura ou está obsoleta para os padrões atuais. Independente do placar, o voto de cada ministro será emblemático, assim como foi a coragem de Weber, num resumo simples de seu entendimento, em conceder a mulher, à luz do direito, afastando os padrões políticos, éticos e religiosos, a prerrogativa de interromper a gravidez em até 12 semanas — ou três meses.

*Historiador e jornalista