Por: Fernando Araújo*

Perspectivas Irônicas sobre o Amor e o Autismo

No geral, a análise dos assuntos do cotidiano exige uma perspectiva. A partir daí, podemos desenvolver uma linha de raciocínio e a formação de uma ideia. Invariavelmente, esse comportamento ocorre de forma natural. Porém, na situação específica do autismo, a perspectiva exige, em algumas situações peculiares, um ângulo que nem sempre nos deixa em uma posição confortável.

Sobre o amor, inconscientemente há uma espécie de troca e exigência do que é ofertado. Damos amor e esperamos receber na mesma medida toda a dedicação e atenção. Em primeiro lugar, é necessário entender o real significado do autismo e, tão importante quanto o entendimento, a aceitação se faz necessária. Portanto, a teoria de receber o amor na mesma medida pode não ser cumprida. Daí, surgem os problemas e conflitos, tanto internos como conflitos diretos na relação entre pai e filho.

Eu costumo ter uma postura de análise frente ao comportamento do meu filho e, a partir daí, adaptar minhas expectativas à realidade do autismo. Confesso que nem sempre a realidade está de acordo com o meu desejo. Contudo, sendo um processo, posso aprender a entender. Com isso, as eventuais frustrações são evitadas, ou melhor, consigo alguma garantia de adequação às expectativas.

Meu filho é o grande motivador que conduz minha rotina, desejos, metas, obrigações. Na verdade, a vida, após seu nascimento, ganhou um significado imenso. Posso afirmar que os anos anteriores foram uma espécie de férias comparado ao trabalho exigido pelo autismo. Não que isso seja algo ruim, de forma alguma. Mas exigiu uma reconstrução na maneira de enxergar a relação pai e filho. Torna-se imprescindível administrar a tensão exigida pelo autismo.

Para Aristóteles, o amor entre pais e filhos é uma forma específica de amor, chamada de "filia" ou "amizade". Ele acreditava que essa relação era baseada na reciprocidade e no cuidado mútuo. Aristóteles via o amor dos pais pelos filhos como um exemplo de amor altruísta. Os pais estão dispostos a sacrificar seu próprio interesse e bem-estar em prol dos filhos. Esse tipo de amor é desinteressado e busca o melhor para o filho.

Posso considerar uma espécie de blasfêmia discordar de Aristóteles, tamanha a sabedoria da sua obra, mas a palavra sacrifício entra em rota de colisão com o significado de amor altruísta. Sendo altruísta, como identificar algo como sacrifício? Não faz sentido! Entendo a paternidade como um compromisso desvinculado de qualquer retorno. A exigência de um retorno está na capacidade de satisfação própria em cumprir o que se acredita. E isso me basta.

Me basta na medida em que fui obrigado a rever meus conceitos e entender que o amor é mútuo, mas suas demonstrações são peculiares à forma apresentada pelo autismo.

Aristóteles também considerava o amor entre pais e filhos como fundamental para a continuidade da família e da cidade (polis). Ele via a família como a unidade básica da sociedade, e o amor entre pais e filhos desempenhava um papel importante na coesão social. A sociedade é um elemento que vive em constante cobrança por comportamentos e conquistas que oferecem ao cidadão a oportunidade de fazer parte e ser aceito. O autismo quebra essa forma natural, pois não há garantias de que o indivíduo autista tenha entendimento desse mecanismo.

Tampouco a sociedade se mostra inclusiva na medida em que as dificuldades e diferenças se tornam mais evidentes com o passar dos anos. Portanto, o entendimento amplo das características do autismo, principalmente as questões sociais, como o relacionamento entre pai e filho, é imprescindível.

*Jornalista

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