Por: Ruy Castro*

Às portas da ABL

O editor José Mario Pereira revelou a amigos que Tom Jobim, em 1993, esteve a ponto de entrar para a Academia Brasileira de Letras, no lugar de um imortal recém-falecido. O estímulo para a candidatura de Tom foi do próprio Zé Mario, em almoço na Plataforma. O maestro gostou da ideia e Zé Mario sondou um influente acadêmico. As perspectivas, claro, eram favoráveis. E, então, instruído por Zé, Tom escreveu uma carta e fez uma visita ao então presidente da ABL, Josué Montello, propondo-se para a vaga. Era barbada.

Se havia um músico afeito às palavras era Tom. Em suas estantes, sempre vi mais livros de referência do que de partituras. Não falava de música. Falava de palavras. Citava poemas que acabara de ler ou, em jovem, aprendera com os tios. Seu pai, Jorge Jobim, que morreu cedo e ele mal conheceu, era poeta.

Tom era fascinado por duas instituições: a Mata Atlântica e a língua portuguesa. Para ele, era tudo uma coisa só. Sabia o nome de cada planta ou bicho do Brasil. Nos EUA, em 1963, voltava para o hotel e, depois de passar o dia falando inglês, para "pôr o maxilar no lugar" dizia em voz alta coisas como "Pão, feijão, alemão, João, me dá um cafezinho, que eu estou fraquinho sentado nesse banquinho". E não se limitou a escrever letras como as de "Corcovado", "Fotografia", "Samba do Avião", "Águas de Março" --cada bilhetinho seu, cada dedicatória numa capa de LP, era uma pequena preciosidade.

Quando sua candidatura estava para se tornar pública, Tom soube que um amigo, o romancista Antonio Callado, também era concorrente. Retirou-se imediatamente do páreo: "Callado tem preferência". Seu pleito ficaria para outra vez.

Mas não houve outra vez. Tom morreu em 1994. Com isso, deixou de inaugurar o que, agora, pode tornar-se uma praxe: músicos na academia de letras.

*Jornalista e escritor. Autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues. Membro da Academia Brasileira de Letras.

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