Por: Marcos da Silva Couto

O uso anterior da marca

Essa visão é corroborada pela jurisprudência | Foto: Divulgação/ Sora Shimazaki

No cenário jurídico brasileiro, a aplicação das leis de marcas frequentemente converge para uma questão central: a importância do uso anterior da marca como critério decisivo para resolver conflitos de registro. Essa prática é delineada pela Lei nº 9.279/1996, Lei da Propriedade Industrial (LPI), que regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, incluindo o uso e o registro de marcas.

O artigo 129 da mencionada lei afirma que o direito à marca é adquirido pelo registro validamente expedido, garantindo ao titular exclusividade em todo o território nacional. Nesse sentido, nosso ordenamento jurídico adotou o sistema atributivo no registro de marcas. No entanto, o § 1° estabelece uma exceção, reconhecendo direitos à pessoa que, de boa-fé, antes da data de prioridade ou depósito, já utilizava uma marca idêntica ou semelhante para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico no Brasil há pelo menos seis meses.

Assim, esse instituto jurídico, conhecido como direito de precedência, estabelece que a utilização anterior de uma marca pode suplantar registros subsequentes. Essa posição é fundamentada no princípio de que os direitos da marca devem proteger as expectativas legítimas dos consumidores e a ordem econômica, prevenindo confusões e assegurando transações comerciais leais.

Essa visão é corroborada pela jurisprudência. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido que o uso anterior é um critério crucial em disputas de marca. O tribunal tem favorecido empresas que, embora sem um registro formal, usavam a marca de forma contínua e de boa-fé, permitindo-lhes manter o uso exclusivo.

Essas práticas judiciais influenciam diretamente o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que vem dando cada vez mais atenção às evidências de uso anterior em suas decisões sobre conflitos de registro. Esta abordagem não apenas respeita o espírito da legislação existente, mas também promove um equilíbrio justo entre a proteção conferida pelo registro formal e a realidade prática das atividades comerciais.

Existem três formas diferentes de alegar o direito de precedência. A primeira é no momento em que é protocolado o pedido de registro de marca por alguém no INPI, iniciando-se o prazo de 60 dias para apresentação de oposição por terceiros, conforme o artigo 158 da LPI, quando será requerida a não concessão do registro do pedido.

Caso não seja apresentada a oposição e o registro da marca seja concedido, é possível dar início a um Processo Administrativo de Nulidade (PAN) junto ao INPI, no prazo de 180 dias contados da expedição do certificado de registro, conforme o artigo 168 da LPI, requerendo a nulidade do registro da marca concedida.

Caso nenhum desses dois instrumentos tenha sido utilizado, ou tenham sido indeferidos pelo INPI, ainda é possível buscar o judiciário através da Ação de Nulidade, conforme o artigo 173 da LPI, com prazo prescricional de cinco anos contados da data da concessão do registro.
Nas três hipóteses, é fundamental a apresentação de provas que demonstrem a utilização da marca há pelo menos seis meses antes do depósito, tais como notas fiscais, panfletos, fotos, dentre outros.

O reconhecimento do uso anterior como um fator determinante em casos de conflito de marcas reforça uma jurisprudência que favorece a justiça e a equidade, validando e protegendo quem realmente atua no mercado.

*Procurador Federal aposentado e advogado.