Por: Emanuel Alencar*

Emergência climática: alertas antigos, ações vagarosas

Estrago foi feito pelo ciclone extratropical que atingiu o Rio Grande do Sul | Foto: Defesa Civil/RS

"Sim, o mundo está num processo perigoso de mudanças climáticas que põe em xeque o futuro da Humanidade. (...) O Brasil não parece estar dando atenção devida a essa mudança de vida de todos os habitantes do planeta, sem exceção". O trecho não é de uma publicação recente, motivada pela grave crise no Rio Grande do Sul. Consta num editorial do jornal "O Globo" do dia 16 de março de 2007. Sim, há mais de 17 anos. Os sinais vermelhos sobre uma realidade difícil, dura e complexa - decorrente dos fenômenos climáticos extremos - para o Homo Sapiens são antigos; como também não são atuais as dinâmicas de ocupação de solo que vão na contramão do que preconiza práticas mais modernas da administração pública. Palavras como prevenção, mitigação e adaptação parecem esquecidas no dicionário de nossas cidades.

O cenário é preocupante em todo o país: entre 1985 e 2022, a expansão das áreas urbanizadas em áreas com risco de cheias aumentou 2,7 vezes, mostra levantamento do MapBiomas. Na Região Metropolitana do Rio, uma em cada cinco residências ficam em áreas suscetíveis a enchentes, mostra um relatório da ONG Casa Fluminense. Sabemos todos a receita que abastece essa realidade nefasta: gestores fisiológicos que incentivam ocupações sem critério de olho nas urnas, inaptidão frente a novas dinâmicas climáticas, incapacidade de cidades apresentarem projetos qualificados de enfrentamento à crise do clima.

A hecatombe do Sul - que não deve ser naturalizada - suscita a necessária virada de página na gestão de nossas cidades. É imperativo que a questão da adaptação climática deixe de ser uma “agenda” secundária aos olhos do poder público. É urgente que obras públicas tenham seus projetos amparados nos estudos climáticos. Nada será como antes. Recentemente, o climatologista Carlos Nobre resumiu o contrassenso contemporâneo: “É uma ignorância total do sistema econômico e fiscal não perceber que é muito pior não fazer nada. Esses eventos levam à morte de milhares de pessoas. Isso é inadmissível”.

Para que possamos avançar, entretanto, é premente que enfrentemos o negacionismo científico. Não deve haver tolerância a uma gente que destila bobagens, rasga o bom-senso e espalha fake news. Há consenso entre os cientistas: estamos numa nova era geológica, a era em que a ação humana afeta todos os domínios do planeta. A emissão desenfreada e constante de combustíveis fósseis tem alterado profundamente os regimes do clima.

O iceberg está logo ali, e nosso navio singra o mar escuro em alta velocidade, rumo ao choque. Não dá mais tempo de desvio, mas é possível diminuir danos. O enfrentamento à emergência climática deve entrar definitivamente no orçamento das cidades. É uma questão de justiça socioambiental: as populações mais ameaçadas e que mais sofrem com as consequências do aumento de eventos extremos são pessoas negras, de baixa renda e que habitam regiões periféricas, em especial mães chefes de família.

*Jornalista