Caso vá adiante a ideia, o estádio que o Flamengo pensa em construir na área hoje ocupada pelo Gasômetro na região da Leopoldina, no Rio, deveria receber o nome de Capitão Sérgio de Carvalho. Sérgio, chamado pelos amigos, carinhosamente, de Sérgio Macaco, é mais um desses heróis não conhecidos pelo grande público a quem o Brasil deve uma enormidade. No dia em que formos uma verdadeira democracia, sua história será estudada em todas as escolas do País - em especial nas escolas militares.
Em meados de 1968, em meio às grandes manifestações de rua contra a ditadura, a chamada linha dura - que assumiria o poder em 13 de dezembro daquele ano, com o Ato Institucional nº 5 (AI-5) - já urdia tenebrosas transações.
Uma delas, talvez a mais macabra, era a explosão do gasômetro de São Cristóvão na hora do rush. Os próprios terroristas - militares da Aeronáutica - calculavam que morreriam cerca de cem mil pessoas no atentado. O plano era responsabilizar a esquerda pelo ato terrorista e, em seguida, desencadear um vasto massacre contra opositores da ditadura.
Além da explosão do gasômetro, aqueles psicopatas planejavam ainda sequestrar e jogar em alto mar cerca de 50 líderes políticos. Entre os alvos estavam o ex-presidente Juscelino Kubitschek, o arcebispo dom Hélder Câmara, o líder estudantil Vladimir Palmeira e o ex-governador do estado da Guanabara Carlos Lacerda, um dos líderes do golpe de 64, àquela altura rompido com o regime.
O plano foi abortado pela coragem do capitão Sérgio. Ele enfrentou seus superiores, de cuja boca ouviu o relato dos planos criminosos, e os denunciou, o que lhe custou a carreira militar.
Integrante de uma unidade de elite da Aeronáutica, o Para-Sar, especializada em salvamentos na selva, na época Sérgio tinha 37 anos. Era paraquedista, com 900 saltos e quatro condecorações por bravura. Chamado pelos indígenas de "nambiguá caraíba" (homem branco amigo), era admirado pelos irmãos Villas-Boas, pelo médico Noel Nutels e pelo antropólogo Darcy Ribeiro.
O patrono da Aeronáutica, brigadeiro Eduardo Gomes, uma das pessoas que Sérgio procurou para denunciar os planos criminosos, confirmou a veracidade das denúncias e ficou ao lado do capitão. Isso, provavelmente, salvou a sua vida.
Em 1992, anos depois de terminada a ditadura, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que Sérgio fosse promovido a brigadeiro, posto que teria alcançado se tivesse permanecido na Aeronáutica. A decisão, porém, não foi cumprida. O presidente Itamar Franco a protelou até depois da morte de Sérgio, vítima de câncer no estômago, em 1994.
Sua família foi impedida pelos militares de enterrá-lo com a bandeira do Brasil sobre o caixão. O corpo foi coberto apenas com uma bandeira do Flamengo, seu time de coração.
Se o estádio do Flamengo no Gasômetro, então, for construído, nada mais justo, que ganhe o nome do Capitão Sérgio.
Não ignoro que a proposta não tem viabilidade prática agora, pois a atual diretoria do Flamengo é bolsonarista e aproveita essa proximidade para tentar junto ao governo federal e à Caixa Econômica Federal, proprietária do terreno, a sua cessão em condições que não se sabe exatamente se são de interesse público.
Mas, caso vá adiante o projeto, nada mais justo do que homenagear Sérgio Macaco, dando seu nome ao estádio. Assim, estará sendo homenageado um grande brasileiro, cuja história tem ligação com o gasômetro.
Hoje esse projeto parece impossível. Mas, da mesma forma como a ditadura militar acabou e o genocida que hoje governa o País vai embora daqui a pouco, os bolsonaristas não estarão para sempre à frente do Flamengo.
Amanhã será outro dia. Viva o Capitão Sérgio.
*Jornalista, publicado originalmente na Agenda do Poder