A relação jurídica existente entre os usuários e as operadoras de planos de saúde é, evidentemente, uma relação de consumo. Se, por um lado, as pessoas que fazem a contratação são os consumidores, as operadoras são os fornecedores dos serviços, caracterizando as relações previstas no Código de Defesa do Consumidor (CDC), cuja aplicação está expressamente prevista nos artigos 1° e 35-G da Lei 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de saúde.
Em que pese a clareza da legislação quanto à aplicabilidade do CDC nessas relações, vivenciamos muitos questionamentos por parte das operadoras de saúde até que o STJ, após exaustiva jurisprudência, firmou entendimento através da Súmula 608 de que “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de planos de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”. Apesar da limitação imposta pelo entendimento do STJ com relação aos planos com autogestão, para a grande maioria dos usuários, a decisão é aplicável. Isso tem como consequência que os princípios do CDC devem ser observados nesta relação de consumo.
Esses princípios incluem a proteção da vulnerabilidade do consumidor frente ao prestador, a transparência, clareza e precisão nas informações, a vedação de cláusulas abusivas e a garantia da qualidade dos serviços prestados pelas operadoras de planos de saúde. No entanto, observamos um crescente número de conflitos entre usuários e operadoras que terminam sendo judicializados devido à não observância desses princípios.
Temas como reajuste das mensalidades, rescisão por inadimplência, limites de cobertura e reembolso são frequentemente enfrentados pelo judiciário. Com a pacificação da jurisprudência sobre a aplicação do CDC, diversas decisões judiciais têm beneficiado os usuários, como, por exemplo, a nulidade de cláusulas que limitam indevidamente a cobertura de tratamentos ou que preveem reajustes abusivos.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apenas no ano de 2023, tramitaram no judiciário 234.111 ações envolvendo operadoras de planos de saúde, o que representa um aumento de 60% em relação a 2020, primeiro ano em que foi feito esse levantamento.
A aplicação do CDC nas questões relacionadas aos planos de saúde reforça a proteção dos direitos dos consumidores, garantindo que as operadoras de planos de saúde ajam de forma transparente, justa e equilibrada. As decisões dos tribunais superiores têm sido fundamentais para assegurar que os contratos de planos de saúde respeitem as normas do CDC, proporcionando maior segurança e justiça para os beneficiários.
No futuro, é provável que a aplicação contínua do CDC traga ainda mais mudanças positivas no setor de planos de saúde. A tendência é que as operadoras adotem práticas mais transparentes e focadas no bem-estar dos consumidores, reduzindo o número de conflitos judicializados. A evolução da jurisprudência continuará a desempenhar um papel crucial na proteção dos direitos dos consumidores, promovendo um equilíbrio mais justo entre as partes envolvidas.
*Procurador Federal aposentado e advogado. E-mail: ([email protected]).