Por: Emanuel Alencar*

A necessária aceleração da restauração do Rio

Armando Magalhães Corrêa foi um grande estudioso e entusiasta da restauração florestal carioca. Tendo vivido num sítio em Jacarepaguá no início dos anos 1930, coletou preciosas informações socioambientais sobre região — expostas no brilhante "O Sertão Carioca", cuja primeira edição data de 1936. É muito interessante observarmos que Magalhães Corrêa já falava, naqueles idos, da necessária recuperação da Mata Atlântica do Rio: "O aumento de ano para ano da população, nas zonas urbana, suburbana e rural, e do consumo no tráfego das estradas de ferro e mesmo nas indústrias de todos os gêneros, o gasto da lenha aumenta proporcionalmente, resultando uma destruição sistemática de alqueires de matas (...) precisamos, pois, cuidar do replantio das árvores de corte".

A defesa do desenvolvimento econômico e da redução das desigualdades com a floresta em pé como base de sustentação ganhou corpo desde então. Meio século após a assertiva de Magalhães Corrêa, o Rio empreendia o seu grande programa público de restauração florestal — em 1986 a primeira muda do Mutirão de Reflorestamento era fincada no Morro São José Operário, na Praça Seca. Chegamos a 2024 com reflexões importantes a serem feitas. Se por um lado em 38 anos a cidade recuperou mais de 3.400 hectares — quase um Parque Nacional da Tijuca — e morros e encostas ganharam 10 milhões de mudas, por outro, houve desaceleração do ritmo de plantio com o passar do tempo. Ampliar o programa faz todo o sentido em tempos de enfrentamento à emergência do clima.

O DNA do Rio de capital natural mundial é para sempre. Há história, lastro e charme. São fortes as palavras do professor Richieri Antônio Sartori, do Departamento de Biologia da PUC-Rio, um dos autores do livro "Florestas aos montes: a recuperação das matas do Rio de Janeiro", em reportagem do jornal "O Globo" de novembro de 2021: "Faço parte da restauração ambiental desde 1998 e nunca vi uma prefeitura, em qualquer outra parte do mundo, ter uma influência tão grande em termos de reflorestamento. Não fosse a redução da temperatura ambiente provocada por projetos como esse, seria impraticável viver na cidade do Rio atualmente".

Um dos principais desafios encontrados para as ações de reflorestamento no município é um problema crescente de segurança pública: a expansão das narcomilícia — sim, porque quase impossível é distinguir os diferentes grupos criminosos que dominam boa parte do território carioca. Plantio de mudas, monitoramento e enfrentamento às ilhas der calor são ações que devem estar sintonizadas com políticas habitacionais e de enfrentamento ao crime, em todas as esferas de poder.

Feito esse necessário alerta, nada melhor do que o uso contínuo da mão de obra de moradores das áreas de restauração para que o programa — hoje com a alcunha de Refloresta Rio — ganhe tração. Uma rápida conta nos mostra o tamanho da potência restaurativa carioca. Com a atuação de 6 mil mutirantes seria possível recuperar, em quatro anos, 10 mil hectares de áreas degradadas na cidade, segundo o SigFloresta, plataforma digital aberta ao público. Numa projeção com o orçamento médio aplicado nessas ações, esse empreendimento resultaria numa movimentação econômica de R$ 288 milhões. Um boom de economia local. Os ganhos certamente são bem maiores e imensuráveis: como metrificar qualidade de vida e bem-estar?

O Rio já é, e será ainda mais uma cidade fortemente impactada pelas inundações, pelo forte calor e temporais — resultados da crise do clima. O fortalecimento da gestão pública, com foco na recuperação de áreas degradadas, é medida urgente. Ainda ecoa por aqui a defesa histórica de Magalhães Corrêa. O Rio tem uma mensagem para dar ao mundo. É só adaptar a receita que vem dando certo.

*Jornalista