Em tempos de verdades parciais, evoluções tecnológicas benéficas para a humanidade acabam sendo estigmatizadas por erros praticados no passado. Depois do pesadelo dos ataques às cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, durante a segunda guerra mundial, reforçado pelo desastre ocorrido em Chernobyl, em meados da década de 1980, na antiga União Soviética e em Fukushima no Japão, em 2011, após um tsunami, a energia nuclear foi completamente vilanizada. Todas as vantagens concretas de sua aplicação segura e responsável foram ofuscadas pelo medo de um conflito que exterminasse a raça humana, temor que se perpetuou ao longo da Guerra Fria e que permanece presente até hoje.
Sem que saibamos, contudo, a energia nuclear está presente em nosso cotidiano. Ela é utilizada na produção de alimentos e na conservação de frutas, na esterilização de materiais cirúrgicos, nas pesquisas espaciais, na medicina nuclear para combater cânceres, na produção de eletricidade. Estamos mergulhados em um universo nuclear sem desconfiar. E o desconhecimento é o pior caminho para tudo no mundo, porque deixa brecha para medos infundados, para usos não fiscalizados e para ações sem responsabilidade.
No caso do Brasil, a energia nuclear pode trazer ganhos incomparáveis na produção de eletricidade para abastecer os grandes centros urbanos, trazendo desenvolvimento e competitividade econômica para o país. Angra 1 e Angra 2, por exemplo, fecharam o ano de 2023 com uma produção total superior a 14,51 milhões de megawatts-hora (MWh), segundo informações da Eletronuclear. O volume seria suficiente para suprir mais de seis milhões de residências ao longo de um ano. Ainda assim, as duas usinas representam pouco menos de 2% de toda produção de energia elétrica do país. Se formos falar de Rio de Janeiro, onde as usinas foram construídas, elas são capazes de fornecer 30% da energia consumida pelo Estado.
Esse debate fica mais candente e urgente se levarmos em conta os tempos atuais de cobrança por sustentabilidade. O Brasil tem tradição e expertise para liderar esse debate. Afinal, a maior parte de nossa matriz energética élimpa e renovável, amparada na geração das hidrelétricas. Mas o tempo das grandes obras ficou para trás, não temos mais como construir novas hidrelétricas de grande porte, ficamos dependentes das pequenas e médias. E sujeitos ao risco de oscilações climáticas que nos obriguem a apelar para as térmicas a gás, que são caras e poluentes, em períodos de diminuição do nível dos reservatórios espalhados pelo país.
Temos vistos nos últimos anos o surgimento de outras opções também aprovadas do ponto de vista da sustentabilidade, mas que levantam sérias dúvidas sobre a eficiência e a competitividade em termos de preço: as energias eólicas e solar. A exemplo da questão das hidrelétricas, são dois tipos de energia cuja matéria-prima temos em abundância no país – vento e sol. O problema são os altos custos de implementação e como subsidiar esses financiamentos.
Para termos uma ideia, existem dois projetos de lei em tramitação no Congresso sobre energias renováveis, que escondem subsídios que, ao fim ao cabo, vão onerar todos os consumidores – mesmo aqueles que sequer possuem condições de ter uma placa de energia solar ou entenda a terminologia de eólicas on e off shore. Estamos falando de um custo extra nas tarifas de R$ 28,9 bilhões até 2050 ainda que a ideia de estender esses benefícios para as populações de baixa renda seja algo louvável do ponto de vista social. Por outro lado, uma análise das planilhas do Ministério de Minas e Energia mostra que, com R$ 20 bilhões, seria possível concluir as obras de Angra 3.
Precisamos também falar de capacidade de entrega ou o que se chama de resiliência no setor. A resiliência das eólicas e solares é de 25% por razões como falta de vento, chuvas, dentre outros fatores. No caso da nuclear, existe, por óbvio, a questão da manutenção dos reatores, essencial para a eficiência e segurança do sistema. Mas a resiliência, ainda assim, é de 84%.
Mais barato, mais eficiente, mais limpa. Sobra o que? O medo em torno do tema. Mas as usinas de hoje possuem tecnologia mais avançada e os riscos são infinitamente menores. O Brasil precisa encarar esse tema de frente. Temos urânio em abundância para abastecer os reatores. A energia nuclear pode nos inserir em outro nível de competitividade. Não investir nessa tecnologia é nos sabotar enquanto nação.
*Júlio Lopes (PP-RJ) é deputado federal e presidente da Frente Parlamentar Nuclear