Sena, Guanabara, Sydney e as vitórias possíveis

Por Emanuel Alencar*

Enquanto penso nas águas da Guanabara e tento me nutrir de esperanças, leio que a 9.162 quilômetros daqui, a atleta belga Claire Michel adoeceu dias após nadar no Rio Sena. Penso, não desprovido de certa dose de surpresa, que o primeiro mundo também sofre de questões que rimam com atraso e subdesenvolvimento: ninguém está livre de água contaminada com níveis elevados de bactérias, incluindo E. coli e enterococos intestinais. Que luzes trouxeram Paris na dramática discussão sobre saneamento básico e qualidade de vida? Nossa Guanabara e o Sena, tão diferentes, guardam segredos e desafios comuns?

Peço licença para um breve parêntesis que, creio, ajuda a ilustrar essa reflexão. Seis anos atrás, quando eu atuava na equipe de curadoria do Museu do Amanhã - o super centro de ciências aplicadas cravado no Porto carioca - lembro de ter ouvido do simpático professor Jeremy Dawkins, gerente da autoridade portuária de Sydney durante os Jogos australianos de 2000, que por lá também houve muitas incertezas e um enorme desafio em despoluição.

Dawkins, explicando tudo com muita calma e reforçando seus argumentos com o auxílio de um mapa, nos contou que a Baía de Sydney sofria terrivelmente com alto índice de contaminantes num local específico. Isso porque eles já tinham superado o grave problema que assola o Rio e, agora temos certeza, também tiram o sono de Paris: os esgotos domésticos in natura. Em síntese, o professor de gestão urbana da Universidade de Camberra nos disse que despoluição é um processo contínuo, complexo, demorado. E acrescentou algo que eu nunca me esqueci: "Só dá certo se a sociedade estiver organizada, cobrando as melhorias".

Voltemos, pois, ao Sena e ao nosso drama guanabarino. A França investiu cerca de R$ 8,3 bilhões em um projeto de regeneração fluvial para tornar o rio seguro para os atletas. As notícias que chegam suscitam críticas severas e mostram que o caminho ainda vai demorar mais para requalificar o rio - ao menos em seu trecho parisiense. Por aqui, três décadas depois do grande programa de despoluição da Guanabara (com investimentos menores do que os atuais, do rio francês), nossa baía urbana segue com índices vexatórios de tratamento de esgotos e a maioria de suas praias impróprias ao banho.

Bom seria se apertássemos um botão e toda a poluição gerada por uma sociedade sumisse, num passo de mágica. Infelizmente isso não é - ainda - possível em lugar nenhum do mundo. Mas quero e prefiro apostar nas vitórias possíveis e visíveis - ainda que os resultados no macro sejam insatisfatórios. Os parisienses estavam proibidos de nadar no Sena desde 1923, e agora já vislumbram dias melhores. Nos anos 1970, especialistas só encontravam três espécies de peixes no Sena. Atualmente, já são mais de 30.

Por aqui, fizemos uma Olimpíada com mar transparente - ajuda providencial de São Pedro - e temos hoje a Praia do Flamengo própria ao banho na maioria dos boletins do instituto ambiental que faz essas aferições. O mangue no entorno da Guanabara nunca foi tão pujante e produtor de vida: somente de pescados a baía fornece 500 toneladas por mês, garantindo o sustento de milhares de pessoas. Entre Sena, Guanabara, Sydney, foquemos, por ora, nas vitórias possíveis. E que o ensinamento do professor Dawkins sirva de lição: só melhora com sociedade ativa, cobrando transparência e forçando os governantes a resolverem problemas históricos.

*Jornalista