Machismo e Assédio Sexual: O Brasil não pode mais silenciar diante da violência contra as mulheres

Por Celina Leão*

O Brasil carrega em sua história o peso de uma cultura profundamente enraizada no machismo. Esse sistema de opressão, que se manifesta em atitudes e comportamentos de controle e subjugação, impacta diretamente a vida de milhões de mulheres, especialmente no que se refere à violência sexual. O recente caso de assédio envolvendo o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, destaca não só a gravidade desse problema, mas também a urgência de se combater o machismo de forma efetiva em todas as esferas da sociedade.

A diferença entre um flerte e um assédio precisa ser amplamente compreendida. O que distingue uma aproximação consensual de um crime está no respeito e na liberdade de escolha do outro. No entanto, o assédio sexual é, infelizmente, uma realidade comum na vida de muitas mulheres que, frequentemente, se veem expostas a avanços indesejados e situações de abuso. O assédio não se resume apenas a palavras; ele envolve toques sem consentimento, comportamentos invasivos e, muitas vezes, o uso de poder ou posição hierárquica para coagir. Isso é uma violação direta da dignidade e da liberdade de quem sofre essas investidas.

O Código Penal brasileiro é claro ao definir o que constitui assédio e importunação sexual. Mesmo assim, há uma dificuldade latente em reconhecer esses crimes em ambientes de trabalho, instituições de ensino e outras esferas sociais. Não raro, as vítimas veem suas denúncias desacreditadas, sendo tratadas com ceticismo e enfrentando retaliações. No caso de figuras públicas, como o ministro Silvio Almeida, a responsabilidade é ainda maior, pois essas pessoas ocupam cargos que simbolizam a proteção de direitos fundamentais. Quando um líder que deveria representar a defesa dos direitos humanos é acusado de assédio sexual, a contradição é gritante e o impacto dessas denúncias se estende a toda a sociedade.

A opressão que as mulheres sofrem no Brasil vai muito além de um caso isolado. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que, em 2023, mais de 40 mil casos de importunação sexual foram registrados, e mais de 8 mil de assédio sexual. Esses números representam apenas a ponta do iceberg, pois muitas vítimas ainda temem denunciar, seja pela falta de confiança no sistema, seja pelo medo de represálias. O ciclo de violência que começa com assédios e importunações é explicado por diversas promotoras de Justiça como a primeira etapa de um processo que pode culminar em feminicídios, se não for interrompido a tempo. A violência contra a mulher no Brasil é uma realidade alarmante e inaceitável, e precisa ser tratada com seriedade por toda a sociedade.

Além da questão criminal, o assédio sexual carrega um fardo psicológico e emocional para as vítimas. O ambiente de trabalho ou estudo, que deveria ser um espaço de desenvolvimento e oportunidades, torna-se um local de medo, insegurança e silêncio forçado. A lei 14.540, sancionada em 2023, que cria o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual na administração pública, e a Lei 14.457/22, que obriga empresas a estabelecerem canais de denúncia para casos de assédio moral e sexual, são passos importantes para enfrentar essa questão, mas ainda insuficientes. É fundamental que haja uma mudança estrutural, em que as mulheres possam se sentir seguras ao relatar casos de abuso e que seus relatos sejam tratados com a devida seriedade e urgência.

Não podemos ignorar que os crimes sexuais no Brasil são, em sua grande maioria, cometidos por homens contra mulheres. Essa realidade reflete um padrão de poder e dominação que precisa ser quebrado. A palavra das mulheres deve ser ouvida e valorizada, pois ignorar suas vozes é perpetuar a violência. Canais seguros de denúncia, proteção às vítimas e a responsabilização dos agressores são pilares essenciais para transformar essa realidade.

O caso envolvendo o ministro Silvio Almeida reforça a necessidade de tratar essas questões com rigor. O afastamento imediato de figuras públicas acusadas de assédio, até que as investigações sejam concluídas, é uma medida fundamental para garantir a integridade do processo e a segurança das vítimas. A sociedade espera que todas as denúncias sejam investigadas com imparcialidade e rigor, independentemente do cargo ou da influência do acusado.

Para avançar, precisamos de uma cultura de respeito, onde o consentimento é a base de todas as interações e onde o corpo das mulheres é visto como inviolável. O machismo precisa ser confrontado em todas as suas formas, e isso inclui reconhecer e punir aqueles que utilizam sua posição de poder para subjugar e violar o direito à liberdade e à dignidade feminina.

O caso de assédio envolvendo o ministro Silvio Almeida levanta questões profundas sobre a opressão que as mulheres enfrentam diariamente no Brasil. O machismo estrutural em nossa sociedade perpetua a violência e o silenciamento de vítimas, e isso ocorre em todos os níveis, inclusive nas esferas mais altas de poder. O fato de um caso como esse ter sido mantido em silêncio por tanto tempo, dentro de uma posição tão privilegiada e influente, revela um problema ainda mais grave: o silêncio dentro dessas esferas de poder não só é alarmante, como representa um mal institucionalizado. Não seria necessário expor a vítima ou as vítimas, mas ignorar o problema contribui para sua perpetuação, criando um ciclo de impunidade e invisibilidade. Se um caso como esse é silenciado em cargos tão altos, o que não ocorre em instâncias menores e mais vulneráveis da sociedade?

A sociedade espera que as denúncias sejam apuradas com rigor, e que, caso seja condenado, o ministro responda igualmente com rigor. O silêncio não pode continuar sendo cúmplice da injustiça.

*Vice-governadora do Distrito Federal