Fé na democracia
Era janeiro de 2018, eu estava há pouco mais de um ano preso pela operação lava-jato, a versão "soft power" dos reacionários e golpistas atávicos do Brasil, que destruiu as maiores empresas de infraestrutura do país , reputações de pessoas e partidos políticos, maculou os três poderes do Estado Democrático de Direito e levou o país à sua maior crise após a Constituição de 1988.
O juíz da operação aqui no Rio era um medíocre e desconhecido magistrado da Sétima Vara Federal do TRF-2, que substituía o titular que havia tirado licença para estudar no exterior. Fui preso no dia 17 de novembro de 2016. Menos de um mês antes da minha prisão, um político importante de Petrópolis me visitou e disse que gostaria de me apresentar ao tal juíz, cuja titularidade anterior era uma vara federal na cidade imperial. Disse-me o político que o tal magistrado estava desbundado com sua exposição midiática. Estreou para os holofotes da lava-jato ao prender Othon Luiz Pinheiro da Silva, um físico e engenheiro nuclear brasileiro, Vice-Almirante do Corpo de Engenheiros e Técnicos Navais da Marinha do Brasil. Havia sido presidente da Eletronuclear. Um dos nomes mais expressivos da história do programa nuclear brasileiro.
O tal juíz havia dado em sua sentença mais de 45 anos de prisão ao oficial da marinha brasileira, além de ter prendido e condenado sua filha.
O político petropolitano me mostrou o seu diálogo com o juíz: "…você viu a repercussão da prisão do Almirante?A imprensa já me chama do novo Sérgio Moro". Na sequência, dia 17 de novembro, fui brindado com duas prisões preventivas simultâneas dos efêmeros astros da 13ª Vara Federal de Curitiba e da 7ª Vara Federal do Rio. Fato inédito e único da maldita operação e, creio, na história do país. Uma promiscuidade de alguns representantes do ministério público federal e de dois juízes, ávidos e deslumbrados com seus dias de fama alimentados pela cobertura midiática- os tais 15 minutos de fama , frase atribuída ao gênio Andy Warhol.
No final de 2017, em audiência, o tal juíz ficou indignado por eu ter dito em minha defesa que não fazia sentido me acusar de lavar dinheiro com jóias presenteadas à minha então esposa, pois ele, por ter familiares proprietários de negócios de bijuterias, sabia muito bem que joias, assim como automóveis, já saem das lojas desvalorizados. Irritado pelo meu questionamento, junto com um desses procuradores que desmoralizavam o parquet nacional, com o sugestivo sobrenome de Pinel, decidiram me transferir para um presídio de segurança máxima pela ousadia de questionar o juíz herói da moralidade e blindado pela grande mídia.
Assim que o STF barrou esse absurdo, inventaram que eu tinha uma super tv em minha cela. Na verdade, a cela que eu ocupava com mais 7 presos na ocasião, tinha uma tv de 16 polegadas e a tal tv estava instalada no pátio do presídio, para os familiares e presos terem o mínimo de distração durante as duras e dolorosas visitas. Assim como havia tvs maiores nos pátios de outros presídios do Rio. Mas a imprensa acreditou e repercutiu tal mentira. Assim como a imprensa deu ressonância, depois de uma das inúmeras batidas contra mim, que eu tinha queijos de cabra e camarões no meu tambor de papelão, onde os presos mantinham seus alimentos perecíveis com gelo, que éramos obrigados a comprar diariamente de uma verdadeira máfia de gelo que abastecia os presídios do Rio. Era a forma que encontrávamos para preservar nossos alimentos levados com tanto sacrifício por nossas famílias.
As comidas não eram minhas. Eram de outro preso. Mas botaram na minha conta. Camarão, por exemplo, eu não comia há mais de 20 anos, bastava ver a receita médica prescrita nos meus dados na enfermaria do presídio de Benfica, para constatar a prescrição de Zyloric 100 mg, por eu ter, na época, taxa alta de ácido úrico.
Bem, como disse, em janeiro de 18, as duas centrais do golpe, Curitiba e Rio, mais uma vez, simultaneamente, decidiram me transferir para Sao José dos Pinhais, no Paraná, em um festival de absurdos cujo clímax foram imagens que circularam o Brasil e o mundo comigo acorrentado nas mãos, cintura e nos pés.
A visita dos familiares na cidade paranaense, no CMP, era somente sexta-feira e de 13h às 16h. Meus filhos foram e são verdadeiros heróis. Lá, nem tambor de papelão com gelo havia para os presos da lava-jato. A comida deixávamos no chão frio para aguentar até, no máximo, domingo. Depois, era comer a péssima alimentação do presídio. Os presos pedófilos, estupradores, milícia, delinquentes e marginais do PCC e do Comando Vermelho tinham melhores condições que nós, presos da lava-jato, nem sonhávamos em ter.
Do Paraná soube do cruel e bárbaro assasinato de uma jovem oriunda
do Complexo da Maré, vereadora do Rio pelo PSOL, de nome Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes. Como também soube da entrega do comando da segurança pública do estado, pela incompetência de meu sucessor, ao governo federal. Que designou o general Braga Neto como interventor no Rio.
Fiquei chocado com as duas informações que doeram minha alma.
Quando consegui voltar para o Rio, por decisão unânime da Segunda Turma do STF, fui levado diretamente para Bangu 8, onde encontrei a biblioteca e uma pequena academia de ginástica, que em suas paredes tinham os registros de suas inaugurações com meu nome gravado, destruídos pelo general interventor que mandou a polícia do exército devastá-las antes da minha chegada. Como governador eu havia instalado bibliotecas e academias em diversos presídios do estado, assim como fiz creches para os filhos das policiais penais, escolas para os presos, UPA 24h no complexo presidiário e outras iniciativas.
Mas o "mundo gira e a lusitana roda…".
A fé em Deus, o amor da minha família e o legado de realizações que deixei, principalmente para o povo desfavorecido do meu estado, me sustentaram 6 anos e 1 mês de calvário.
Braga Neto e outros respondem à tentativa de assassinato do Presidente Lula, do Vice-Presidente Alckmin, eleitos e não empossados e do então Presidente do Tribunal Superior Eleitoral e Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. A Polícia Federal desvendou a operação macabra.
Ao longo da história republicana o Brasil vivenciou golpes e contragolpes de gente que tem horror de povo e da democracia.
Mas o Estado Democrático de Direito tem superado todos os obstáculos. E o país segue na direção de ser mais justo e equânime. Assim eu creio.
*Jornalista. Instagram:
@sergiocabral_filho